Mantidos os
segredos dos anões
Desvio de verbas do
Orçamento fez o Congresso cortar a própria carne, mas ainda há impunidade
Sônia Filgueiras e
Antônia Márcia Vale
No final de 1993,
quando se esperava que o Congresso pós-impeachment iniciasse uma onda de
moralização, um verdadeiro furacão levantou outro caso de corrupção: as
negociatas feitas em torno do Orçamento da União. A manipulação dos recursos
era feita por um grupo de deputados que centralizava o trabalho e atingiu em
cheio o Parlamento. De empreiteiros, eles cobravam propina para incluir
previsão de recursos para as obras. De prefeitos, exigiam pedágio para ajudar
na liberação dos recursos. Por serem quase todos de baixa estatura, entraram
para a história como os “anões do orçamento”. As irregularidades foram
reveladas pelo ex-chefe da Assessoria de Orçamento do Senado, José Carlos Alves
dos Santos. Ele desmontou o esquema, foi preso e acusado de assassinar a
esposa, Ana Elizabeth Lofrano, que ameaçava denunciar os podres da máfia. Na
casa dele foi achada uma mala com mais de US$ 600 mil.
Quase dez anos
depois, José Carlos amarga uma vida no limbo. Não frequenta mais as festas da
corte, aposentou-se, mas teve o benefício cortado pelo Senado. Hoje, vive em
liberdade condicional. Mas, ao contrário do que ocorre com a CPI do PC, onde os
personagens começam a revelar bastidores, muitos segredos dos anões continuam
guardados. José Carlos se nega a falar sobre o assunto. Conta apenas que ainda
tem muitas informações sigilosas. “Durante todo o tempo em que estive preso,
lembrei de muita coisa, mas não posso falar. É o meu seguro de vida.” Por que o
ex-assessor tem medo? A resposta é direta: “Eles são muito poderosos.” José
Carlos acredita que guardar os segredos preserva sua integridade. Mas garante
que, se algo lhe acontecer, os envolvidos, principalmente os que saíram
impunes, vão ficar em situação difícil com as informações registradas em dossiês
espalhados entre seus amigos.
Os deputados Sérgio
Guerra (PSDB-PE) e José Carlos Aleluia (PFL-PE) estão entre os parlamentares
citados por José Carlos Alves como integrantes do esquema da corrupção do
Orçamento e que foram inocentados pela CPI, aberta diante da gravidade das
denúncias. Mas o fato de o relator, deputado Roberto Magalhães (PFL-PE), tê-los
inocentado gerou suspeitas na época. Falava-se em uma troca.
agalhães teria
aceitado livrar o correligionário Aleluia se em troca seu partido aceitasse liberar
o conterrâneo Sérgio Guerra, que à época era filiado ao PSB. Mas, apesar das
denúncias, ambos negam a existência do acordo. “Eu fui inocentado porque não
havia nada a investigar contra mim”, afirma o pernambucano. Raciocínio seguido
pelo baiano.
Foram investigados
37 parlamentares. No final, Magalhães pediu a cassação de 18 companheiros. Mas
apenas seis foram para a degola: Carlos Benevides (PMDB-CE), Fábio Raunhetti
(PTB-RJ), Feres Nader (PTB-RJ), Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), Raquel Cândido
(PTB-RO) e José Geraldo (PMDB-MG). Quatro renunciaram antes: o chefe do bando,
João Alves (sem partido-BA), Manoel Moreira (PMDB-SP), Genebaldo Correia
(PMDB-BA) e Cid Carvalho (PMDB-MA). Oito foram absolvidos: Ricardo Fiúza
(PFL-PE), Ézio Ferreira (PFL-AM), Ronaldo Aragão (PMDB-RO), Daniel Silva
(PPR-RS), Aníbal Teixeira (PTB-MG), Flávio Derzi (PP-MS), Paulo Portugal
(PP-RJ) e João de Deus (PPR-RS).
Após a CPI, o
Congresso implantou uma série de normas para controlar as emendas
parlamentares. Propostas individuais, antes livres de qualquer amarra, foram
limitadas em número e em valor. Somadas, não podem passar de R$ 2 milhões. Para
democratizar as discussões, as emendas graúdas passaram a ser submetidas à
votação de toda as bancadas. No entanto, nada disso impediu a produção de novos
casos de roubalheira,
como o desvio de R$ 169 milhões no prédio do TRT de São Paulo. Por cinco anos,
a despeito das denúncias de ilegalidades e superfaturamentos, os parlamentares
paulistas reservaram milhões à obra. O Tribunal de Contas da União –
responsável por fiscalizar a aplicação dos recursos – demorou sete anos para
condenar a obra. “O processo de elaboração do Orçamento melhorou, mas não
barrou esquemas de intermediação de emendas”, diz o deputado Sérgio Miranda
(PCdoB-MG), um especialista em escarafunchar as mazelas orçamentárias.
Os esquemas de
produção de propina a partir de verbas públicas são variados: fundações e
empresas em nome de laranjas de deputados, senadores ou executivos dos governos
locais recebem verbas públicas; prefeitos e parlamentares desviam recursos de
emendas destinadas a suas cidades para campanhas políticas; empreiteiras pagam
pedágio a autoridades do Executivo e Legislativo em troca da liberação de
verbas. “É difícil impedir este tipo de coisa. São casos que envolvem uma
relação direta entre o parlamentar e a empreiteira”, reconhece o deputado
Giovanni Queiroz (PDT-PA), outro crítico do processo orçamentário.
Fonte:IstoÉ
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