Por Hélio Doyle
Quem quiser estudar
um caso emblemático de manipulação da opinião pública para fins políticos tem
hoje um excelente material para pesquisa: a cobertura do episódio batizado de
“mensalão”, em especial no capítulo do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal
da Ação Penal 470. A manipulação das pessoas pela propaganda e pela imprensa
tem sido objeto de inúmeros estudos, mas este case tem características que o
fazem bem especial. Até porque deu resultado: pessoas propositalmente
desinformadas assumindo com convicção as posições disseminadas pela mídia.
As pressões feitas
durante todo o julgamento, para que os réus fossem condenados, e às maiores
penas possíveis, caracterizam um comportamento histérico que foge a qualquer
racionalidade e rigor do trabalho jornalístico. Estabeleceu-se uma verdade
absoluta e seus postulados são disseminados sem a mínima preocupação com
padrões éticos e com o compromisso com os fatos. Tal comportamento, a pretexto
de ser um combate a práticas corruptas, explica-se apenas como instrumento para
disseminar na opinião pública uma postura igualmente histérica para derrotar
adversários políticos.
A manipulação chega
a ponto de o presidente do Supremo Tribunal Federal suspender o julgamento por
duas vezes, sem motivo forte, apenas para colocar sob a pressão da imprensa e
da chamada opinião pública, dois ministros que poderiam votar contra seu
relatório. E, pior, contou com a conivência de colegas que pareciam jogadores
de futebol fazendo cera para acabar o jogo.
A hipocrisia
domina, mas assim é a política. Parlamentares cansados de recorrer ao caixa
dois em campanhas eleitorais, para dizer o mínimo, na posição de acusadores
ferozes. Jornalistas que fizeram e fazem vistas grossas a outros episódios tão
ou mais graves posando de defensores da moralidade pública. Articulistas que
não escondem suas posições ideológicas fingindo que seu ódio aos acusados é por
causa dos crimes que teriam cometido, e não porque os consideram inimigos
políticos a serem exterminados. Procuradores e juízes que já deixaram de
denunciar, absolveram e livraram da cadeia notórios ladrões e corruptos se
fazendo de paladinos da justa luta contra a corrupção.
Chega a ser
ridículo pessoas que nada entendem de Direito fazendo análises jurídicas dos
votos dos ministros, elogiando uns e criticando outros. Dando lições,
advertindo, ameaçando os que não se dispuserem a votar como eles querem que
votem. Chegam a rotular votos como “excrescências”, “bizarrices” e por aí
adiante, como se fossem autoridades no assunto.
O Supremo Tribunal
Federal, bem ou mal, goste-se ou não, já decidiu que quase todos os acusados
são culpados, de diferentes crimes. Os condenados cumprirão penas, em
diferentes doses. Terão suas vidas profissionais e políticas prejudicadas. Isso
não vai mudar, independentemente do resultado quanto aos embargos infringentes.
Cinco ministros votaram pelo acolhimento, cinco votaram contra, todos
esgrimindo argumentos respaldados, de ambos os lados, por juristas respeitados.
Diante disso, não há como falar em verdades absolutas e desqualificar
juridicamente um lado ou outro apenas por uma postura política.
Mas, para os que
manipulam a opinião pública e querem forçar a decisão que lhes interessa, é
tudo muito simples: cinco ministros estão certos e são herois, cinco estão
errados e são cúmplices da corrupção. Passam a ideia de que o acolhimento dos
embargos é um novo julgamento, é a pizza, a desmoralização do Supremo e da
Justiça, a consolidação das práticas corruptas, o domínio da impunidade, a
revolta do povo nas ruas. O pior é que contam com aliados entre juízes do
próprio tribunal, que ao lado de respeitáveis argumentos jurídicos expõem suas
posições políticas e confessam, sem pudor, que se sujeitam à dita opinião
pública – fechando o circulo na manipulação.
A motivação das
pressões exacerbadas é claramente política, distorcendo o que deveria ser
apenas uma ação judicial. Não basta que os réus sejam condenados e cumpram
penas. É preciso que sejam algemados e levados à cadeia imediatamente. E que
fiquem muitos anos em regime fechado. Na verdade, o sentimento é também de
vingança: quem mandou ganhar eleições e se manter no poder por tanto tempo? E
assim o que deveria ser um julgamento jurídico se torna um julgamento político
não porque os réus e seus aliados lhe dão esse tom, mas porque os acusadores o
politizaram.
Se acusados são culpados,
têm de ser condenados. Mas um julgamento justo, em uma sociedade democrática,
não pode se dar em meio a um processo em que juízes são indevidamente e
intensamente pressionados por uma “opinião pública” manipulada pelos meios de
comunicação. Seja no julgamento de um acusado de assassinar crianças, seja no
de um acusado de corrupção. Aliás, há
acusados na AP 470 com penas maiores do que assassinos confessos, mas isso,
para os manipuladores, é o de menos.
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