sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Histerismo com causa



Por Hélio Doyle

Quem quiser estudar um caso emblemático de manipulação da opinião pública para fins políticos tem hoje um excelente material para pesquisa: a cobertura do episódio batizado de “mensalão”, em especial no capítulo do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Penal 470. A manipulação das pessoas pela propaganda e pela imprensa tem sido objeto de inúmeros estudos, mas este case tem características que o fazem bem especial. Até porque deu resultado: pessoas propositalmente desinformadas assumindo com convicção as posições disseminadas pela mídia.

As pressões feitas durante todo o julgamento, para que os réus fossem condenados, e às maiores penas possíveis, caracterizam um comportamento histérico que foge a qualquer racionalidade e rigor do trabalho jornalístico. Estabeleceu-se uma verdade absoluta e seus postulados são disseminados sem a mínima preocupação com padrões éticos e com o compromisso com os fatos. Tal comportamento, a pretexto de ser um combate a práticas corruptas, explica-se apenas como instrumento para disseminar na opinião pública uma postura igualmente histérica para derrotar adversários políticos.

A manipulação chega a ponto de o presidente do Supremo Tribunal Federal suspender o julgamento por duas vezes, sem motivo forte, apenas para colocar sob a pressão da imprensa e da chamada opinião pública, dois ministros que poderiam votar contra seu relatório. E, pior, contou com a conivência de colegas que pareciam jogadores de futebol fazendo cera para acabar o jogo.

A hipocrisia domina, mas assim é a política. Parlamentares cansados de recorrer ao caixa dois em campanhas eleitorais, para dizer o mínimo, na posição de acusadores ferozes. Jornalistas que fizeram e fazem vistas grossas a outros episódios tão ou mais graves posando de defensores da moralidade pública. Articulistas que não escondem suas posições ideológicas fingindo que seu ódio aos acusados é por causa dos crimes que teriam cometido, e não porque os consideram inimigos políticos a serem exterminados. Procuradores e juízes que já deixaram de denunciar, absolveram e livraram da cadeia notórios ladrões e corruptos se fazendo de paladinos da justa luta contra a corrupção.

Chega a ser ridículo pessoas que nada entendem de Direito fazendo análises jurídicas dos votos dos ministros, elogiando uns e criticando outros. Dando lições, advertindo, ameaçando os que não se dispuserem a votar como eles querem que votem. Chegam a rotular votos como “excrescências”, “bizarrices” e por aí adiante, como se fossem autoridades no assunto.

O Supremo Tribunal Federal, bem ou mal, goste-se ou não, já decidiu que quase todos os acusados são culpados, de diferentes crimes. Os condenados cumprirão penas, em diferentes doses. Terão suas vidas profissionais e políticas prejudicadas. Isso não vai mudar, independentemente do resultado quanto aos embargos infringentes. Cinco ministros votaram pelo acolhimento, cinco votaram contra, todos esgrimindo argumentos respaldados, de ambos os lados, por juristas respeitados. Diante disso, não há como falar em verdades absolutas e desqualificar juridicamente um lado ou outro apenas por uma postura política.

Mas, para os que manipulam a opinião pública e querem forçar a decisão que lhes interessa, é tudo muito simples: cinco ministros estão certos e são herois, cinco estão errados e são cúmplices da corrupção. Passam a ideia de que o acolhimento dos embargos é um novo julgamento, é a pizza, a desmoralização do Supremo e da Justiça, a consolidação das práticas corruptas, o domínio da impunidade, a revolta do povo nas ruas. O pior é que contam com aliados entre juízes do próprio tribunal, que ao lado de respeitáveis argumentos jurídicos expõem suas posições políticas e confessam, sem pudor, que se sujeitam à dita opinião pública – fechando o circulo na manipulação.

A motivação das pressões exacerbadas é claramente política, distorcendo o que deveria ser apenas uma ação judicial. Não basta que os réus sejam condenados e cumpram penas. É preciso que sejam algemados e levados à cadeia imediatamente. E que fiquem muitos anos em regime fechado. Na verdade, o sentimento é também de vingança: quem mandou ganhar eleições e se manter no poder por tanto tempo? E assim o que deveria ser um julgamento jurídico se torna um julgamento político não porque os réus e seus aliados lhe dão esse tom, mas porque os acusadores o politizaram.

Se acusados são culpados, têm de ser condenados. Mas um julgamento justo, em uma sociedade democrática, não pode se dar em meio a um processo em que juízes são indevidamente e intensamente pressionados por uma “opinião pública” manipulada pelos meios de comunicação. Seja no julgamento de um acusado de assassinar crianças, seja no de um acusado de corrupção.  Aliás, há acusados na AP 470 com penas maiores do que assassinos confessos, mas isso, para os manipuladores, é o de menos.

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