Em entrevista ao
Correio Braziliense, ex-presidente Lula diz que está pronto para 2014, mas
revela a dificuldade de "desencarnar" do cargo; segundo ele, o
"Volta, Lula" ficou para trás no evento dos 10 anos de governos do
PT: "Quando eu disse que a Dilma era minha candidata, eu queria tirar de
vez da minha cabeça a história de voltar a ser candidato. Antes que os outros
insistissem, antes que o PT viesse com gracinhas, eu resolvi dar um basta"
No escritório
do Instituto que leva seu nome, Luiz Inácio Lula da Silva mantém uma agenda
digna de presidente da República. Ele trabalha quase 10 horas por dia com um
objetivo maior em mente: reeleger a presidente Dilma Rousseff. "Se houver
alguém que se diz lulista e não dilmista, eu o dispenso de ser lulista",
diz o ex-presidente. Em entrevista aos repórteres Tereza Cruvinel e Leonardo
Cavalcanti, do Correio Braziliense, ele confessa com certa melancolia que sente
falta de Brasília: "O nascer e o pôr do sol no Alvorada são inesquecíveis";
e que, para evitar a tentação de dar palpites sobre o novo governo, disse que
decidiu visitar 32 países nos primeiros 10 primeiros meses de 2011, até que o
câncer foi descoberto, no dia de seu aniversário, 27 de outubro.
Leia trechos da
entrevista, disponível na íntegra, aqui:
Vida de
ex-presidente
Eu saí no momento
mais auspicioso da vida de um governante. Eu brincava com o Franklin (Martins):
se eu ficar mais alguns meses, vou ultrapassar os 100% de aprovação. Foi como
se me desligassem de uma tomada. Num dia você é rei, no outro dia não é nada.
Depois de entregar o cargo, cheguei a São Bernardo e havia um comício,
organizado por amigos e pessoas do sindicato. O Sarney me acompanhou. Antes,
visitei o Zé Alencar, choramos juntos. Mas ser ex-presidente é um aprendizado
sobre como se comportar, evitando interferir no novo governo.
Volta, Lula
Este ano, no evento
dos 10 anos de governos do PT, quando eu disse que a Dilma era minha candidata,
eu queria tirar de vez da minha cabeça a história de voltar a ser candidato.
Antes que os outros insistissem, antes que o PT viesse com gracinhas, antes que
os adversários da Dilma viessem para o meu lado, eu resolvi dar um basta e fim
de papo.
Herança
As coisas que foram
feitas, se em algum momento foram negadas, a verdade foi mais forte que a
versão. A ONU acaba de reconhecer, com dados irrefutáveis, que o Brasil foi o
país que mais combateu e reduziu a pobreza nos últimos 10 anos. Tenho muito
orgulho de ter sido um presidente que, sem ter diploma universitário, foi o que
mais criou universidades no Brasil, o que mais fez escolas técnicas, o que
colocou mais pobres na universidade... A outra coisa de que muito orgulho é de
ter sido o primeiro presidente que fez com que o povo se sentisse na
Presidência.
Relação com
empresários
Não faço nada além
do que eu fazia como presidente. Eu tinha orgulho de chegar a qualquer país e
falar da soja, do etanol, da carne, da fruta, da engenharia, dos aviões da
Embraer... Eu vendia isso com o maior prazer do mundo. Estas críticas também
refletem o complexo de vira-lata. Tenho orgulho de saber que quando cheguei à
Presidência não havia uma só fábrica brasileira na Colômbia e hoje existem 44.
Havia duas no Peru e hoje são 66. Mas veja a malandragem. Todas as empresas,
inclusive as de jornais e de televisão, têm lobistas em Brasília. Mas são
chamados de diretor corporativo ou institucional. Agora, se alguém faz pelo
país, é lobista. Faz parte da pequenez brasileira.
Copa do Mundo
Veja o caso da Copa
do Mundo. Todo país quer sediar uma Copa do Mundo. O Brasil não pode. Ah,
porque temos problemas de saúde e moradia! Todos os países têm problemas, e por
não pode ter Copa do Mundo e Olimpíada?
Ora, se em 1960 o
Brasil pôde fazer um estádio para a Copa do Mundo, em 2013 não podemos fazer
outros? Pergunto qual é a denúncia? O TCU designou um ministro, o Valmir
Campelo, encarregado de fiscalizar especificamente os gastos com a Copa.
Perguntem a ele onde há corrupção. Não me conformo com o complexo de vira lata
e com o denuncismo infundado. Precisamos de uma lei que puna também o autor de
denúncia falsa.
Manifestações
Eu acho que fizeram
muito bem ao Brasil. Com exceção dos mascarados. Todas as reivindicações que
apresentaram, um dia nós também pedimos. Veja o discurso de (Fernando) Haddad
na campanha de São Paulo: "Da porta da casa para dentro a vida melhorou,
mas da porta para fora ainda precisa melhorar." O povo nos disse o
seguinte: "Já conquistamos algumas coisas e queremos mais". As
pessoas querem mais, mais salário, mais transporte, melhorarias na rua, e isso
é extraordinário. Nem dá mais para ficar dividindo tarefa: isso é com o
prefeito, isso com o governador, aquilo com o presidente. Agora é tudo junto.
Mais Médicos
É uma coisa
fantástica mas vai fazer com que o povo fique ainda mais exigente com a saúde.
Discutir saúde sem discutir dinheiro, não acredito. E não adianta dizer, como
fazem os hipócritas, que o problema é só de gestão. O hipócrita diz: "Eu
pago caro por um plano de saúde, porque o SUS não me entende". Mas quando
ele vai fazer a declaração de renda, desconta tudo do imposto a pagar. Então
quem paga a alta complexidade para ele é o povo brasileiro. E aí vem a FIESP
fazer campanha para acabar com a CPF. Não foi para reduzir custos mas para
tirar do governo o instrumento de combate à sonegação.
Os médicos
brasileiros que protestaram sabem que cometeram um erro gravíssimo. O
(Alexandre) Padilha tem dito, corretamente: "Não queremos tirar o emprego
de médico brasileiro. Queremos trazer médicos para atender nos locais onde
faltam médicos brasileiros". Em vez de protestar, eles deveriam ter feito
um comitê de recepção aos colegas estrangeiros. E Deus queira que um dia o
Brasil forme tantos médicos que possa mandar médicos os para um pais africano.
É admirável que um pais pequeno como Cuba, que sofre um embargo comercial há 60
anos, tenha médicos para nos ceder.
Política
Num país em
construção, como o nosso, sempre haverá protestos. Temos de consolidar a
democracia, sabendo que ela não pode ser exercitada fora da política. Tem gente
que diz "eu não sou político" e começa a dar palpite na política.
Esse é o pior político. Como eu fui ignorante, dou meu exemplo. Em 1978, no
auge das greves do ABC, eu achava o máximo dizer: "Não gosto de política
nem de quem gosta de política". A imprensa paulista me tratava como herói.
Eu era "o metalúrgico". Dois meses depois, eu estava fazendo campanha
para Fernando Henrique, que disputava o Senado por uma sublegenda do MDB. Dois
anos depois, eu estava criando um partido político. Ninguém deve ser como o
analfabeto político do Bertolt Brecht. Não se muda o país sem política.Brasil 247
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