A golpes de pás,
martelos e picaretas, colunistas da mídia tradicional abriram nos últimos meses
as sepulturas em que seriam lançados, sem direito a apelação, os réus da Ação
Penal 470; mas voto garantista do ministro Celso de Mello, para quem "o Supremo
não pode expor-se a pressões externas", jogou os personagens que se
travestiram de juízes dentro das próprias covas que eles cavucaram; decano do
Supremo Tribunal Federal deu a maior lição de preservação de direitos
individuais que os jornalões brasileiros e seus medalhões já receberam; uma
verdadeira aula magna que eles fizeram por merecer; agora, aqui jazem
Brasil 247 – Nos últimos
meses, a golpes de centenas de artigos, milhares de notícias e milhões de
palavras, um naipe completo de colunistas da mídia tradicional tratou de
cavucar com pás, martelos e picaretas as sepulturas em que seriam jogados,
nesta quarta-feira 18, os réus da Ação Penal 470.
Porém, com o voto
histórico do decano Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, os
articulistas da condenação anunciada descobriram que haviam aberto, na verdade,
suas próprias covas rasas. Cobertos com togas, apesar da falta de
especialização jurídica, ar professoral diante de quem não precisava de lições
e a empáfia condizente com os arrogantes, a verdade é que esse pessoal se
arrebentou. Eles morreram em credibilidade abatidos por seus próprios golpes.
Senão, vejamos:
Pode mesmo o
acadêmico eleito com um livro só (compilação de artigos em O Globo) Merval
Pereira dar aulas de Direito a um ministro do porte de Ricardo Lewandowski? Tem
condições o blogueiro Reinaldo Azevedo, de Veja, ensinar letras jurídicas a uma
referência como Teori Zavascki? Dá para instalar no mesmo patamar de
conhecimento de matéria constitucional o galhofeiro Augusto Nunes com o
magistrado Luís Roberto Barroso? A decana brasiliense Eliane Cantanhêde porta
mesmo ensinamentos jurisdicionais que podem servir ao advogado tornado ministro
Dias Toffoli? Acreditava mesmo a revista Veja que iria, com uma capa à la
Capone, levar o decano Celso de Mello a tisnar sua biografia de garantista?
E mais: adiantou de
algo, nesta mesma quarta-feira 18, portais como o UOL (do grupo Folhas) e o G1
(das Organizações Globo dos três Marinho) esconderem de seus leitores a notícia
da aprovação dos embargos quando já estava claro o voto do decano, além de
custar a própria perda de crédito?
Mais que
ingenuidade, tratou-se a operação conjunta da mídia tradicional, para a qual
seus mais cintilantes quadros foram requisitados, de uma jogada com duplo
sentido. Acreditando que todo o julgamento da AP 470 seria guiado pela estrela
da política, os colunistas atuaram travestidos de juristas para criarem, entre
os leitores, a fantasia de que possuíam argumentos técnicos ainda mais fortes
que a ira sentida frente aos personagens no banco dos réus. Cobriram-se, sem
cerimônia, com togas cintilantes, que ao final serviram apenas para obnubilar a
visão do público sobre o complexo julgamento. No jargão das redações, tiraram
seus leitores do rumo certo.
A compreensão de
que o Supremo é um órgão formado por juízes experimentados, cuja maioria
compreende que o tribunal, como frisou o decano, "não pode expor-se a
pressões externas", não foi transmitida aos leitores. Ao contrário. Um por
todos e todos por um, o que eles escreveram em papel, lançaram na internet e
propagaram pelo rádio e a televisão foi a mensagem de que o Supremo seria, sim,
uma espécie de Maracanã em que as torcidas determinariam o resultado da
partida. Venceria quem gritasse mais alto, amedrontando os responsáveis
constitucionais pela apreciação do caso.
Foi preciso, em sua
ampla e histórica lição de preservação das garantias dos cidadãos frente à
"irracionalidade" do Estado, Celso de Mello repor a verdade em seu
devido lugar. Ele ensinou que a não aceitação dos embargos infringentes iria
contrariar uma tradição estabelecida pelo próprio Supremo desde o início do século
passado. Seria contraditória com todas as Constituições brasileiras desde a de
1946.
O presidente
Joaquim Barbosa adiou, na semana passada, o voto de Mello. O próprio decano
queria ter votado, mas o antigo promotor fez questão de tirar-lhe a vez para
que a matilha da mídia pudesse ladrar contra a independência do Supremo. Nessa
jogada de mão, a participação da revista Veja foi decisiva para preencher, com
sua capa desta semana, o espaço aberto por Barbosa. E outra vez não deu certo.
Ao fracassarem, as
insistentes ações da mídia tradicional contra o Supremo, durante a Ação Popular
470, findaram, não mão contrária desse mau exemplo, por fortalecer a
democracia. O voto do decano, acompanhando os juízes Luiz Roberto Barroso,
Teori Zavascki, Rosa Webber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski significou,
tecnicamente, apenas que o próprio Supremo irá revisar as sentenças que
receberam quatro votos pela absolvição dos réus. Moralmente, foi a maior aula
já dada por um juiz a uma turma que pensava ser dona da verdade.
Que a terra lhe
seja leve.
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