Esses dois advogados descobriram agora o que a sociedade civil não manipulada sabe de há muito tempo.De todo modo, vale a pena reproduzir a opinião dos juristas do Consultor Jurídico, de propriedade do Estadão.
"Este é um
debate que, para o bem das instituições democráticas e da história do próprio
Supremo, nem deveria existir. A mera discussão já nos causa preocupação e
qualquer decisão que não seja a aceitação da validade dos infringentes terá
forte conotação política, mesmo que muito bem fundamentada juridicamente. Isto
porque não responderia a uma simples questão: por que mudar o entendimento
sobre a lei justamente agora?", afirmam
Wadih Damous (ex-presidente da OAB/RJ) e Ronaldo Cramer (advogado), do Consultor
Jurídico
Wadih Damous e
Ronaldo Cramer*, do Consultor Jurídico - O Supremo Tribunal Federal deverá
decidir nos próximos dias se os réus da Ação Penal 470 têm ou não direito aos
chamados Embargos Infringentes. Se decidir que sim, a corte manterá coerência
com a jurisprudência de mais de duas décadas na casa e também com o voto do
decano Celso de Mello durante o próprio julgamento do mensalão. Se decidir que
não, pesará sobre o STF a suspeita de que o processo em questão recebe um
tratamento diferenciado — ou de exceção, como muitos já o definiram.
Este é um debate
que, para o bem das instituições democráticas e da história do próprio Supremo,
nem deveria existir. A mera discussão já nos causa preocupação e qualquer
decisão que não seja a aceitação da validade dos infringentes terá forte
conotação política, mesmo que muito bem fundamentada juridicamente. Isto porque
não responderia a uma simples questão: por que mudar o entendimento sobre a lei
justamente agora?
Para entender o
caso: em 1990, entrou em vigor a Lei 8.038 que regula processos e recursos
tanto no Superior Tribunal de Justiça quanto no Supremo Tribunal Federal. O
texto, no entanto, não faz referência aos embargos infringentes. Sua omissão
não regulamenta, mas também não veta tal modalidade de recurso.
Já o Regimento
Interno do STF dispõe de seis artigos, do 330 ao 336, que tratam
especificamente “Dos Embargos de Divergência e dos Embargos Infringentes”. De
acordo com o texto, os infringentes são válidos desde que o réu tenha obtido ao
menos quatro votos a seu favor. Portanto, há 23 anos os ministros julgam as
ações penais com base no Regimento da corte sem fazer referências à omissão da
lei 8.038.
Vejamos um dos
casos julgados pela casa. Em 2007, os irmãos Batista recorreram ao STF contra a
condenação de 14 e 17 anos pela morte do advogado Paulo Coelho, em Roraima, em
1993. O plenário manteve a sentença e os dois réus entraram com embargos contra
a decisão. Ao negar o recurso e expedir a imediata prisão dos réus, o ministro
Joaquim Barbosa afirmou em seu despacho: “não cabem embargos infringentes no
caso presente, tendo em vista que não houve divergência de quatro votos em
qualquer questão decidida no acórdão embargado. Artigo 333, parágrafo único, do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”. O Plenário acompanhou o relator
por unanimidade. Percebe-se, neste exemplo, que não houve qualquer
questionamento a respeito da compatibilidade entre a lei 8.038 e o Regimento
Interno, até porque, para o Supremo, o seu regimento tem status de lei
ordinária.
Em 2 de agosto do
ano passado, no primeiro dia de julgamento da Ação Penal 470, quando o plenário
debatia o pedido de desmembramento do processo para os réus que não tinham foro
privilegiado à época da aceitação da denúncia, o ministro Celso de Mello fez uma
defesa enfática sobre a vigência dos infringentes. Disse ele: “Os embargos
infringentes se qualificam como um recurso ordinário dentro do Supremo Tribunal
Federal na medida em que permitem a rediscussão de matéria de fato e a
reavaliação da própria prova penal. É o que dispõe o artigo 333, ao permitir
que, em havendo julgamento condenatório majoritário, portanto não sendo
unânime, serão admissíveis embargos infringentes do julgado. E com uma
característica: com a mudança da relatoria.”
O argumento também
foi incluído por Celso de Mello no acórdão do julgamento, publicado em abril
deste ano. Sobre a lei que entrou em vigor em 1990, o decano foi taxativo: “Não
obstante a superveniente edição da Lei 8.038/90, ainda subsiste, com força de
lei, a regra consubstanciada no artigo 333, parágrafo I, do Regimento Interno
do STF, plenamente compatível com a nova ordem ritual estabelecida para os
processos penais originários instaurados perante o STF”. O decano disse ainda
que os embargos infringentes auxiliarão “a concretização, no âmbito do STF, do
postulado do duplo reexame, que torna pleno o respeito ao direito consagrado”.
Vê-se, portanto,
que não há razão para o debate. O simples fato de suscitar a dúvida a respeito
da validade dos infringentes já contribui para elevar perigosamente a
influência política sobre os rumos de um julgamento penal. Caminhar no sentido
oposto, negando esse recurso aos réus, violaria a garantia à ampla defesa e
representaria um capítulo sombrio na história secular da Suprema Corte brasileira.
*Wadih Damous é
conselheiro federal da OAB e ex-presidente da OAB-RJ.
*Ronaldo Cramer é
advogado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário