Jean Menezes de
Aguiar
Joaquim Barbosa
que, estranhamente, vem se permitindo ser garoto de publicidade da Globo News,
pode estar juridicamente equivocado
A impressão que
fica é que os magistrados do Supremo Tribunal Federal "quiseram"
participar, todos, desde o início, do processo do Mensalão. Aí comprometeram o
Pleno, em vez de começar o processo penal por um órgão fracionário do próprio
Supremo, ainda que também colegiado. A natureza do argumento do exibicionismo
invocado aqui, abstraídas as pautas regimentais do STF de competência do Pleno
- mas o processo foi historicamente único e poderia receber interpretação com
duplo grau interno no Supremo - é o que de mais fundamental há nas entranhas
humanas. Está chancelada por Voltaire em "Dicionário de Filosofia",
verbete "Orgulho": a vaidade.
Com a mecânica
processual "escolhida" de instância única, com início do julgamento
pelo Pleno criou-se o que em filosofia se chama "aporia", um beco sem
saída: um processo sem recurso. Por "recurso", aqui, leia-se recurso
cheio, minimamente equiparável à apelação em que se devolve ao órgão julgador a
inteireza da matéria para ser novamente apreciada.
A invocação de que
por ser Supremo nada jurídico mais experiente ou capacitado exista é totalmente
equivocada. Os próprios dois embargos de declaração - recurso chinfrim,
instrumental e não meritoriamente devolutivos -, que foram providos no processo
para, heterodoxamente, reduzirem pena, é prova disso. Uma segunda rodada de
interpretação judicial e reavaliação sobre os mesmos fatos, com novos
argumentos, releitura e ressubsunção de provas a fatos, com
"didática" diferente por meio de advogados, poderia permitir uma nova
conclusão do julgamento. E a redução da injustiça processual.
Joaquim Barbosa
que, estranhamente, vem se permitindo ser garoto de publicidade da Globo News,
com imagem e frase na vinheta do anúncio endógeno da emissora quando se ouve a
frase na voz do próprio ministro: "Acima do Supremo Tribunal Federal não
há mais nada", ou coisa parecida, pode estar juridicamente equivocado.
Ninguém menos que o
jurista brasileiro Cançado Trindade, ex-presidente da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, ensina que na questão de direitos humanos, competência
interna e contenciosa da Corte - órgão judicial -, não vale invocação de
soberania nacional. Um processo sem recurso plenário, como o Mensalão, viola o
princípio implícito na Constituição da República de duplo grau de jurisdição.
Viola também, numa interpretação necessariamente benéfica a réus em processo
penal (!) a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 8o, h. Este
cuidado os juízes do Supremo parecem não ter tido.
Há uma
possibilidade de o Supremo corrigir isso, agora, ainda que à meia boca:
aceitando os recursos de embargos infringentes. Modalidade proscrita na
processualística civil, expulsa na reforma do Código de Processo Civil novo por
buscar uma perfeição sentencial cartesiana, se mostra intransponível no
Mensalão, por duas razões: primeira por ter o processo natureza jurídica penal,
estando em pauta o valor máximo do ser humano que é a liberdade. Em segundo
porque não houve um recurso processual cheio, plenário no processo provocado
pela ação penal 470, Mensalão.
Se o Supremo não
remendar essa situação, com muito cuidado dará ensejo à discussão de violação a
direitos humanos. E aí a Corte Interamericana poderá ser a saída para os réus e
o Brasil poderia ser condenado pela Corte a refazer o processo. O vexame seria
colossal. Ou delicioso.
Jean Menezes de Aguiar
Advogado e professor da pós-graduação da FGV
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