quarta-feira, 26 de maio de 2010

José Sócrates:Lula é inspiração para esquerda democrática


O primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, vê o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, como “um dos grandes nomes da esquerda mundial”. Em entrevista à BBC Brasil antes de embarcar para uma visita de três dias ao Brasil, Sócrates afirmou que o presidente tem um capital político que não deve ser desperdiçado e que Lula poderia ocupar qualquer posição de relevo na cena internacional.

O primeiro-ministro afirmou ainda que o crescimento econômico e político brasileiro pode ajudar Portugal e disse acreditar que seu país está se tornando uma plataforma para empresários brasileiros atuarem no mercado europeu.

A respeito da economia europeia, ele afirmou que o euro não está em risco e que a moeda só sofreu os problemas que teve por ser "jovem". Diz que a economia da zona euro não tem motivos para ser pior avaliada do que a norte-americana ou a japonesa, por ter um déficit inferior.

No Brasil, Sócrates irá para participar no 3º Fórum para a Aliança das Civilizações, que ocorre esta semana no Rio de Janeiro com a presença de Lula.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil - O presidente Lula termina seu segundo mandato depois de conseguir uma considerável projeção no cenário internacional. O sr. vê algum futuro político para Lula neste cenário?

Socrátes - Eu já tenho dito isso, (a retirada de Lula do cenário internacional) seria um desperdício, mas a verdade é um pouco mais profunda. A esquerda mundial tem que ter referências e o presidente Lula teve os maiores sucessos a nível da governança nas últimas décadas.O presidente Lula deixa um legado de uma governança econômica muito responsável e muito equilibrada, ao mesmo tempo que desenvolveu políticas sociais. E esse legado é importantíssimo para a esquerda mundial e hoje serve de inspiração e de referência para todos os governantes da esquerda democrática.

O que o senhor acredita que o presidente Lula deveria fazer depois do mandato?

O presidente Lula tem muitas oportunidades e muitas possibilidades. O mais importante é que ele continue ativo na política ativa mundial.

Mas fala-se do Banco Mundial, do cargo de secretário-geral da ONU, com uma estrutura reformada.

Acho que o presidente Lula tem hoje um capital político que lhe permite ocupar qualquer lugar internacional de referência e julgo que é uma honra para a esquerda mundial ter um de seus grandes valores de referência e ser de língua portuguesa. Isso é um orgulho muito grande para quem fala português, verificar que o presidente Lula é um dos grandes nomes da esquerda mundial.

Como o senhor avalia a importância econômica que o Brasil atingiu neste momento?

O Brasil é a grande revelação do mundo nos últimos anos. Não apenas uma revelação ao nível econômico, mas também ao nível político. O país tem uma subida no contexto geoestratégico.O mundo mudou muito, e esse é um dos fatores de mudança, a ascensão do Brasil, que é criticamente estratégica para Portugal. À medida em que o país sobe no conceito das naçes, Portugal vai atrás.Tem sido muito agradável verificar que o Brasil deixou de ser um país de potencial para se afirmar como uma potência política e econômica.

O Brasil vai ter a Copa do Mundo e a Olimpíada. O que isso traz de oportunidade para os empresários portugueses?

Traz uma grande oportunidade para a cooperação econômica entre as empresas portuguesas e as brasileiras. Julgo que a relação econômica entre as duas economias está cada vez mais forte, mais ligada. É muito agradável poder reconhecer que o Brasil finalmente descobriu Portugal como o país em que se pode investir para se lançar no mercado europeu.

Tendo em conta a situação de crise, o senhor acha que Portugal poderia pegar uma carona no crescimento brasileiro?

Sim. O crescimento brasileiro é absolutamente essencial para as empresas portuguesas.Nós temos muito investimento no Brasil, muitas empresas, e hoje tive uma conversa com empresas portuguesas que estão a investir no Brasil e o desenvolvimento é muito interessante para as empresas portuguesas, que estão há muito tempo a investir no Brasil, desde meados da década de 90. Pretendemos diversificar esse investimento e na terça-feira passei toda a manhã a falar com as empresas portuguesas sobre a importância que tem para nós o mercado brasileiro.O mercado brasileiro ainda é um mercado muito protegido, porque o Brasil tem uma política muito concentrada no seu mercado interno – é um mercado grande e pode fazê-lo –, mas julgo que à medida que o país se internacionaliza, que as empresas brasileiras se lançam na aventura da internacionalização, isso abre um espaço de oportunidade imenso para o nosso país.

A imagem de Portugal para muitos brasileiros é de um país atrasado. O que Portugal tem a oferecer para o Brasil?

O mais importante para nós é que os brasileiros percebam o que é Portugal. É um país moderno e europeu, que não tem nada a ver com o país de 20 ou 30 anos atrás. É um país que tem indicadores econômicos e sociais e indicadores de conforto de um país europeu.Julgo que a capacidade da economia portuguesa para cooperar com as empresas brasileiras no desenvolvimento da economia brasileira é uma amostra do seu potencial e nós temos uma cooperação excelente e vantajosa para ambos os países em todos os domínios, nos mais avançados tecnologicamente, nos domínios da cooperação científica e nos domínios energéticos.Nós somos o país que mais cresceu em termos de energias renováveis, nós somos o país que mais cresceu em termos de tecnologias de informação e comunicação. Qual é o país que lidera o ranking de governo eletrônico na Europa? É Portugal. Aqui você constitui uma empresa em menos de uma hora. Eu faço um desafio, tente constituir uma empresa aqui. No ano passado, 52% das empresas constituíram-se em 32 minutos. Você pode constituir aqui uma empresa em menos de uma hora.Em fevereiro deste ano, 32 empresas por dia foram constituídas online, apenas com base no computador, sem necessidade de ir a nenhuma repartição pública. Portugal é um país muito moderno desse ponto de vista.

Portugal foi uma das vítimas do ataque ao euro. O senhor acredita que o euro possa estar em risco?

Não. Isso só acredita quem não conhece a Europa e não conhece o euro.O euro foi uma das grandes conquistas do projeto europeu. Há 30 anos, ainda tínhamos fronteiras na Europa, tínhamos moedas nacionais e acabamos com tudo isso e formamos uma comunidade em que partilhamos a nossa soberania.Isso só pode andar para frente. O euro é uma das grandes conquistas políticas dos últimos anos. Os alemães abdicaram do marco, os franceses abdicaram do franco, nós abdicamos do nosso escudo.Temos uma única moeda para todos. Isso é uma conquista política que traz cooperação, partilha de soberania, paz, liberdade. A Europa é o continente do mundo onde mais se compatibiliza a liberdade, a proteção social e o crescimento econômico.

Mas nessa crise, parece que houve falta de coordenação.

Sabe, o euro é um projeto ainda jovem, tem apenas dez anos. Nós temos que reconhecer que não estávamos preparados para esse ataque (especulativo), porque nunca tinha acontecido.Esta desconfiança dos mercados relativamente à capacidade de a Europa pagar as suas dívidas foi algo que nunca aconteceu e espero que nunca mais venha a acontecer porque não tem justificação econômica.Qual é o déficit médio da Europa? Pouco acima de 6%. Quanto é nos Estados Unidos? É 11%. Quanto é no Japão? É 11%. Isso não tem a mínima justificação, nem racionalidade, nem fundamento econômico.

E como vai se organizar esse mecanismo de salvaguarda do euro?

Nós já estamos a organizar. Não só definimos um mecanismo para dar garantias internacionais que todos os países da zona euro terão de cumprir suas obrigações e esse mecanismo foi importante ter sido formado.O Banco Central Europeu também está a agir, e cada um dos Estados está a fazer um esforço para reduzir já este ano e no próximo ano ainda mais os seus déficits orçamentais de forma a oferecer mais confiança.Isso acontece em Portugal, acontece na Espanha, acontece na Alemanha, onde há notícias de que os alemães também vão aumentar seus impostos, acontece na Itália, na Irlanda.Todos os países estão a tomar medidas de forma a corrigir seus déficits orçamentais para reforçar a confiança dos mercados internacionais.

BBC Brasil

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