quinta-feira, 27 de maio de 2010

Perigoso caminho de partidarização do TSE


Fabiano Santos


Jornal do Brasil - 27/05/2010

O Tribunal Superior Eleitoral é instituição essencial em nossa engrenagem político-democrática. Foi criado após a Revolução de 30 com a clara e específica missão de estabelecer a verdade eleitoral. Missão, em outras palavras, de aplicar o princípio, desobedecido sistematicamente durante a Primeira República, de acordo com o qual são eleitos os candidatos que obtêm o número necessário de votos para derrotar seus competidores. Não estaríamos longe da verdade ao afirmar que o TSE tem cumprido seu papel com zelo e brilhantismo. Como prova disso, lembro que o processo eleitoral brasileiro é admirado e tido como exemplar em várias partes do mundo, sobretudo, após a adoção da urna eletrônica e o consequente aumento dos votos validados para os vários cargos em disputa.

Indago, portanto, entre surpreso e perplexo, de onde ministros daquele tribunal, procuradoras eleitorais e colunistas políticos importantes extraíram a ideia segundo a qual o chefe do Executivo não pode apoiar, nem lançar candidato a sua sucessão. Fiz mais do que indagar ao léu: recorri aos manuais de filosofia e ciência política. Existiria alguma dogmática, doutrina ou teoria da democracia que prescreva tal conduta? Talvez algum grande erudito republicano possa nos esclarecer o ponto. Contudo, nada encontrei que corroborasse o raciocínio dos ministros. Fiquei, então, preocupado com o rumo que a conjuntura política vem tomando. Uma coisa é o uso da lei para pautar o comportamento dos atores e evitar a utilização indevida dos recursos econômicos e administrativos do estado em favor de tal ou qual candidatura. Outra é a saudável discussão democrática sobre até que ponto os eleitores querem ou não dar continuidade a uma linha de ação, que envolve parcerias, coalizões, idas e vindas, políticas públicas, etc... O chefe do Executivo é neste último sentido peça fundamental da decisão do eleitor.

Não lembro ter havido revolta semelhante com a eleição de Celso Pitta e a ostensiva forma utilizada pelo prefeito de São Paulo na ocasião, Paulo Maluf, para indicar aos eleitores que aquele desconhecido secretário era seu candidato. Cito apenas um caso, mas o mesmo tem ocorrido em todo o país e em diferentes regiões. Trata-se de parte essencial do jogo, aceito por todos os atores e que já é tradição em nossa vida política. É lamentável constatar, por conseguinte, que autoridades do Judiciário tenham experimentado o perigoso caminho de extravasar de suas prerrogativas e função histórica. Têm procurado avaliar moral e eticamente o comportamento de partidos, assim como de suas lideranças, como se fosse de sua competência tutelar a escolha eleitoral no Brasil.

É de se perguntar até mesmo se o estímulo em última instância, para esse perigoso exercício de judicialização do processo eleitoral, não seriam as inclinações partidárias de juízes e procuradoras. Hipótese plausível a ser verificada com o desdobramento dos fatos. Sabemos que nos EUA o fenômeno da judicialização da política não é outra coisa senão a partidarização de segmentos do Judiciário, notadamente a Suprema Corte. Sabemos também que isto é até certo ponto inevitável e que o Executivo tem ultimamente buscado no Brasil algum equilíbrio no STF ao apontar progressistas para cadeiras vagas como forma de compensar o excesso de conservantismo após anos de governos de centro-direita. O perigo diante de nós é atingir um órgão com a responsabilidade do TSE, pois não há como expô-lo às vicissitudes das disputas partidárias sem comprometer também, e em seus fundamentos, o admirável edifício democrático que a duras penas os brasileiros vêm construindo desde a promulgação da Carta de 1988.

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