quinta-feira, 27 de maio de 2010

Web e livre pensamento


Recife (PE) - Nestes dias, tenho lido “Gabriel García Márquez – Uma Vida”, de Gerald Martin. Além do prazer de suas páginas, que revelam os vexatórios e verdadeiros dias do gênio de Gabriel, no livro mais de uma lição tenho aprendido. Para o objetivo desta coluna, interessa lembrar a lição do tipo de imprensa que forjou o caráter e talento de Gabriel García Márquez.

Nas páginas dos jornais de Cartagena e Barranquilla, cidades da costa da Colômbia, exercia-se a liberdade de imprensa, e de tal modo se exercia, que com mais propriedade mereceria o nome de liberdade de pensamento. Se querem uma divisão mecânica, digamos: os textos ali publicados eram livres na forma e no conteúdo. O que vale dizer: a potência da literatura invadia o jornalismo com toda sorte de armas, armadas e demônios. Isso dá na gente um espanto e uma pergunta ao mesmo tempo: como era possível tamanha liberdade? Penso que uma explicação reside no fato de que em uma província, afastada do domínio imediato da capital e do capital, o mudo todo estava por se fazer. E Gabriel e amigos intelectuais montaram ali o cavalo da oportunidade. E disseram, “aqui vamos, bandidos”.

Que diferença para a imprensa brasileira hoje. A gente não quer ser simplista, raso e rasteiro como um simplificador, mas a realidade autoriza. Ela, imprensa, é grossa como a piada mais chula. Notem que na grande mídia do capital, hoje, andam casados o maior reacionarismo político com a maior pobreza de idéias, com direito a uma amante, a mais miserável expressão da língua. Abra-se, por exemplo, um jornal de hoje. O leitor passa as folhas, envenena-se com alguns fatos, descrê de todos e joga o papel a um canto. Em menos de uma hora, não sabe o que leu, quando leu, e, até mesmo, se leu. Nada fica. Do papel à televisão, resta só a angústia do desperdício. Uma ressaca sem álcool.

Lembram-se do desastre do avião da TAM em julho de 2007? Além dos repórteres técnicos em manetes, turbinas, pistas molhadas e caos em aeroportos, houve os quadros tenebrosos de exploração pornográfica da dor. Repórteres obedientes à orientação da pauta, articulistas que viraram autoridades, mais pareciam papa-defuntos. Até o ponto da explosão de um artigo na Folha de São Paulo, inexcedível em vileza:

“O que ocorreu não foi acidente, foi crime.

Gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, ‘GOVERNO ASSASSINA MAIS DE 200 PESSOAS’. O assassino não é só aquele que enfia a faca, mas o que, sabendo que o crime vai ocorrer, nada faz para impedi-lo. O que ocorreu não pode ser chamado de acidente, vamos dar o nome certo: crime.... Talvez o presidente não se importe tanto, afinal, quem viaja de avião não é beneficiário de sua bolsa-esmola, não faz parte do seu particular curral eleitoral cevado com o dinheiro que ele arranca de nós. Devem fazer parte das tais ‘elites’, que é como ele escarnece da classe média que faz (apesar do governo) o país crescer”.

Lembram? E o que dizer do incidente com uma cobra-coral que atravessou o caminho do Presidente Lula em 2003, em Buíque, Pernambuco? Na ocasião, perdoem este clichê “na ocasião”, um agricultor, para defender o seu Presidente, matou a cobra a pau. Os jornais anunciaram a morte da coral, com a pungente dúvida: “Morte de cobra em Buíque foi crime ambiental?”.

Esse imenso nariz de cera vem a propósito do Congresso Mega Brasil de Comunicação 2010, aberto pelo Ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Esses nomes compridos e juntos como vagões de trem querem dizer, de modo mais simples, Franklin Martins, o jornalista e ministro. Franklin Martins, ao se referir aos novos tempos da web, “declarou”, para usar a palavra do gosto dos repórteres: “Alguns jornalistas dizem que não se faz jornalismo como antes. Acho que o processo se tornou mais rico agora. O jornalismo de antes não era mais plural e democrático do que hoje.”

Agora fecho o nariz e a coluna. É irônico que um meio avançado de comunicação, a web, venha a ser hoje a Barranquilla de 1950. Ali, naqueles anos, como aqui, em 2010, tudo está por se fazer.

Urariano Mota, Direto da Redação

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