sábado, 29 de maio de 2010

Minha Casa, Minha Vida: um programa contra o déficit habitacional


O Brasil só conheceu política habitacional a partir de 1940, no governo Getúlio Vargas. As tentativas que se seguiram foram marcadas por modelos estanques, a exemplo do Banco Nacional de Habitação (BNH) e das Companhias de Habitação (Cohabs). O Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), do Governo Lula, é visto com “bons olhos” pelo professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), Márcio Buzar.

Ele aponta a aprovação do Estatuto das Cidades e a criação do Ministério das Cidades como dois importantes instrumentos para garantir o planejamento dos centros urbanos e, principalmente, impedir que os municípios cresçam acima de um milhão de habitantes, o que produz problemas incontornáveis.

O programa MCMV, que incentiva a construção de habitação de interesse social, adota vários instrumentos para garantir o seu êxito, ou seja, a minimização do problema de déficit habitacional no Brasil, que é histórico e gigantesco. “O principal (instrumento) é o financiamento com juros reduzidos a 6% ao ano, que é mais ou menos o que dá para a classe baixa suportar”, destaca Buzar, defendendo a tese de que os juros podem baixar ainda mais.

“Tem que fazer gestões junto à Caixa para baixar mais os juros, para utilizar os recursos do FGTS em maior quantidade, que é mesmo para aplicar na habitação”, propõe o professor.

Outro mecanismo importante utilizado no programa é a desburocratização. “O Feirão da Caixa é um sucesso”, diz o professor, lembrando um garoto-propaganda da instituição. Ele ri com a comparação e explica: “Inclui toda a cadeia – cartório, construtora e o banco. São vários estímulos, está mais fácil comprar de fato, principalmente com relação aos juros, que anteriormente inviabilizavam o pagamento”, anuncia.

Solução econômica e social

“E aquece a economia, porque a construção civil é um dos setores que mais emprega”, complementa. Por sinal, ele usa esse argumento para defender a manutenção do programa mesmo com a mudança de governo, considerando as eleições presidenciais deste ano.

“Tem que ser política de Estado e não de governo para garantir a continuidade”, afirma, destacando que “a habitação provou que, além de amenizar o conflito social, contribui para aquecer economia e como a maioria dos dirigentes olha mais o lado da economia, isso representa um indicativo de que pode continuar.”

Lula investe seis vezes mais que FHC

Ele diz que os recursos aplicados no Programa MCMV, em dois anos de execução, chegam a ser cinco ou seis vezes maiores do que os gastos no setor nos sete, oito anos do Governo de Fernando Henrique Cardoso.

Outro lado positivo do Programa, além de criar espaço para gerar trabalho e movimentar a economia, é que a Caixa exerce fiscalização nas construções, exigindo das empresas cadastradas o cumprimento das normas técnicas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). “E a Caixa faz isso também por interesse, porque sabe que o imóvel volta para ela se a pessoa não pagar”, explica.

O professor Buzar destaca ainda, como outra grande vantagem do programa, as condições adequadas de moradia que representam essas construções. “É positivo (o Programa) também sob o ponto de vista da saúde. Mesmo que não tenha esgotamento sanitário, tem fossas sépticas, que são obrigatórias, e, dependendo da quantidade de unidades, essas exigências vão aumentando.”

Na opinião de Buzar, um problema que persiste é o da localização. “Os terrenos mais baratos estão mais afastados, portanto persiste o problema de deslocamento para o trabalho.” E lança mão do exemplo de Brasília, lembrando que 80% dos empregos estão concentrados no Plano Piloto.

“A solução é o governo descentralizar as áreas de trabalho e outra alternativa é melhorar os transportes, que devem ser de massa e com integração - metrô, ônibus e outros meios - para viabilizar o acesso”, sugere.

Problemas do crescimento

Buzar, defensor da tese de que as cidades não devem crescer, alerta que cidades com mais de um milhão de habitantes produzem problemas - com a ocupação de áreas de proteção ambiental e lixões - que impedem o desenvolvimento sustentável. “O que se defende é que as cidades não podem passar de um milhão de habitantes, acima disso surgem problemas que não podem ser contornados. No Brasil esse número está em torno de 20 a 30 cidades no universo de cinco mil municípios. Para conter o crescimento das cidades, deve-se praticar a descentralização”, avisa.

E aponta como exemplo de crescimento desordenado a cidade de São Paulo, que é responsável por cerca de 20% de toda a produção do Brasil. Por isso, ele considera acertada a decisão do Governo Lula de construir siderúrgicas em outros estados. Ele explica que cidades que não têm indústrias e nem empresas ficam estagnadas, enquanto umas poucas cidades concentram toda a produção e os consequentes problemas.

“Existe a situação gravitacional das indústrias secundárias e terciárias”, destaca, o que contribui para um crescimento desordenado de cidades como São Paulo. “(O Brasil) Tem tanta terra, não precisa ter cidades adensadas”, afirma o professor.

E diz que a questão política é responsável pela falta de planejamento que permite ocupações irregulares nas cidades. E mais uma vez lança mão do exemplo de Brasília. “Brasília é o maior exemplo de ocupação irregular, porque era tudo terra da União, era espaço reservado para ocupações futuras”, diz, destacando que as ocupações, que ocorreram por parte da classe baixa e média, foram incentivadas por muitos governos. “Incentivaram e enriqueceram em cima dessas invasões”, denuncia.

No caso de Rio de Janeiro, que vivenciou problemas de desmoronamentos no último período chuvoso, a questão também é política, analisa o professor. “As áreas livres da cidade são lixões, proteção de meio ambiente e são invadidas para fazer habitação, o que não resolve o problema (de moradia) e cria dois, três problemas a mais”, explica Buzar, dizendo que tem que ter fiscalização.

“O estado é quem tinha que fiscalizar, mas essas invasões “correm solto”, como as ocupações de área de preservação, que vão criar um sério problema de abastecimento de água no futuro”, diz ele. A ocupação das fontes e cabeceiras de rios – tornando as áreas impermeáveis e poluídas - vai criar problema sério de água. Estudos demonstram que em 40 anos Brasília não terá onde buscar água para se abastecer. Recife (PE) e São Luís (MA) são cidades que já têm que buscar água em distâncias de mais de 100 quilômetros, o que eleva o custo e aumenta a conta da água do consumidor.

Começo de tudo

Como não podia deixar de ser, o professor começou a entrevista fazendo um levantamento do problema habitacional no Brasil, o que nos levou ao período dos cortiços. “O problema habitacional do Brasil vem do século 19, com os cortiços. Havia concentração urbana com o êxodo rural, mas não havia política habitacional. Os trabalhadores queriam morar próximo ao trabalho, mas as áreas eram as mais caras.”

O Cortiço, retratado no romance do mesmo nome de autoria de Aluísio de Azevedo publicado em 1890, é precursor das favelas. Os quartos e outros compartimentos de grandes casarões eram loteados entre várias famílias, em geral famílias numerosas, migrantes do Nordeste que iam ‘tentar a vida’ nas grandes cidades.

Até a década de 1940 o Brasil viveu esse problema sem política habitacional. No Governo de Getúlio Vargas, começou-se a discutir o assunto, mas já com várias dificuldades, lembra Buzar, citando os exemplos de criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e das Companhias de Habitação (Cohabs).

Segundo ele, o modelo financeiro da época inviabilizou a política habitacional. Hoje você sabe o valor da primeira e da última prestação. Antigamente, você tinha aumento de 5% no salário e de até 50% na prestação, diz, lembrando que esse problema persistiu mesmo com o fim do BNH e a transferência da responsabilidade de financiamento da casa própria para a Caixa Econômica com recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), apontado como exemplo mais permanente de política habitacional.

“A Caixa tem interesses, como qualquer banco comercial, de manter seus ativos e lucratividade. E esse foi o problema ao longo dos anos. O banco mantinha mais o financiamento da classe média porque os juros eram altos – de 10 a 12% ao ano. Em 25 anos, você pagava 400 mil por um imóvel que custava 50 mil”, conta Buzar. E não tinha o SAC, que é o sistema de amortização. Os juros baixos e o SAC são apontados como as vantagens do programa de financiamento atual – o MCMV.

Para o professor Buzar, é importante destacar também, como componentes importantes no planejamento das cidades, o Estatuto da Cidade e o Ministério das Cidades. Ele se derrama em elogios aos dois, destacando que somente com planejamento é possível fazer crescer as cidades, evitando problemas futuros.

“O Estatuto trata de todas as questões das cidades, como ela deve crescer e quais os instrumentos para a sustentabilidade do crescimento. O Ministério das Cidades vem para emplacar essas orientações”, explica. “Hoje os municípios têm que ter plano diretor para garantir espaço para área industrial, residencial, comércio, de preservação ambiental; e para acessar recursos do governo federal, o que é uma forma de organizar.”


Buzar, que também defende a permanência do Ministério na estrutura de governo, diz que ele organiza o programa completo para as cidades com planejamento das fases das intervenções e a distribuição de verbas para os municípios. Segundo ele, com isso está superada a fase em que se fazia o asfalto e no dia seguinte quebrava o asfalto para fazer esgotamento. “Jogava-se dinheiro fora”, diz, lamentando que seja “um pouco tarde para cidades como Rio e São Paulo, que já não permitem o planejamento.”

De Brasília Vermelho, Márcia Xavier

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