Empossado recentemente deputado federal, o advogado e ex-presidente da
OAB-RJ Wadih Damous (PT-RJ) deu entrevista exclusiva ao 247, em que
teceu duras críticas ao juiz Sérgio Moro, a quem chama de "fanático
judicial", e aos procuradores da Operação Lava Jato: "Eles não têm
qualquer discernimento quanto à repercussão social de seus atos"; "Em
nome do combate à corrupção praticam-se ilegalidades, desrespeitam-se
direitos fundamentais", afirma; Damous ainda faz críticas à
"contra-reforma política" em curso no Congresso, diz ficar
"impressionado" com os parlamentares do PSDB que sobem à tribuna para
falar de corrupção e vê Lula eleito em 2018; leia a íntegra
Por Artur Voltolini, para o 247 – O advogado trabalhista e ex-presidente da OAB do Rio de Janeiro Wadih Damous, 59, recebeu a reportagem do Brasil 247
no último dia 29, duas semanas após ser empossado deputado federal.
Damous é o primeiro suplente da coligação do PT no Rio de Janeiro, e
assumiu o cargo após o deputado Fabiano Horta ir para a Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Econômico Solidário do Rio.
Mestre em Direito Constitucional pela PUC-Rio, Damous inicia seu
mandato junto com a votação da reforma política no Congresso. Perguntado
sobre ela, a qual chama de "contra-reforma política", afirma: "É uma
vergonha o que está acontecendo no Congresso".
Damous tece fortes críticas à atuação do juiz Sérgio Moro, a quem
chama de "fanático judicial", e à atuação dos procuradores da Operação
Lava Jato: "Eles não têm qualquer discernimento quanto à repercussão
social de seus atos como procuradores, como juiz". Wadih acredita que,
para eles, não importa se suas ações quebrem empresas, gerem desemprego,
paralisem a economia e desnacionalizem um setor estratégico. O deputado
ainda critica os superpoderes do Ministério Público, o que acredita ser
um erro da Constituição de 1988.
Wadih Damous está certo que Lula se elege para o terceiro mandato
como presidente da República em 2018, mesmo sem aliança com o PMDB, e
defende que, em 2016, o PT lance candidatura própria para disputar a
prefeitura do Rio de Janeiro.
Leia abaixo à entrevista na íntegra.
Quais estão sendo as primeiras impressões do Congresso por um advogado garantista?
Eu percebi que ali quem tem a pauta é Eduardo Cunha [presidente da
Câmara], é ele quem tem clareza do que vai ao plenário. E não estou
fazendo um elogio não. O que eu vejo lá é um nível político muito
rebaixado. As bancadas são eleitas pelo dinheiro. O Dr. Ulisses
Guimarães sempre dizia, quando alguém criticava o Congresso: “Você não
viu o próximo”. Bom, eu não vi os anteriores, estou vende esse, e estou
com uma impressão muito ruim. Acho que essa é a composição mais
conservadora e de rebaixado nível político que eu tenho notícia.
O que o senhor quer dizer com “rebaixado nível político”? É falta de preparo intelectual?
Eu não acho que o parlamentar necessariamente tenha que ter
conhecimento de ciência política, ou conhecimento especializado nisso ou
naquilo. Ele tem que ter discernimento e espírito público para saber o
que está fazendo ali, do ponto de vista do interesse público. Cuidar do
aperfeiçoamento da legislação, de cumprir aquilo que está previsto na
Constituição em relação às atribuições do Congresso Nacional, em
particular da Câmara dos Deputados. É neste sentido que eu vejo falta de
preparo político. Não é falta de preparo intelectual, de preparo
técnico.
Não seria um preparo específico para uma política mais patrimonialista, focada na proteção de certos interesses?
Esse é o Congresso hoje.
Não vejo falta de preparo, eles não estão ali exatamente preparados para isso?
Por esse lado sim. Ali de fato não se tem organicidade, não se tem um
projeto. Os debates são sempre na base de quem é corrupto ou quem não é
corrupto. Não se discute projeto, não se discute uma visão de país. É
assim que eu vejo a Câmara dos Deputados hoje.
É engraçado ver corruptos notórios entre os arautos do combate à corrupção.
Se for pegar a folha corrida, você verá que nenhum deles tem lastro moral para apontar o dedo para outro e dizer que é corrupto.
Eu fico impressionado com os parlamentares do PSDB que sobem à
tribuna para falar de corrupção, se esquecendo que a reeleição, que
acaba de ser revogada na Câmara, nasceu de um processo de corrupção, de
acusação de compra de votos para a reeleição do Fernando Henrique
Cardoso. Denúncias que até hoje não foram apuradas. Na época, havia um
procurador-geral da República que, coincidentemente ou não, tinha o
apelidado de “engavetador geral da República”, chamado Geraldo
Brindeiro. Enfim, é isso que eu chamo de rebaixamento do nível político.
As privatizações também não foram devidamente investigadas.
A chamada Privataria. O que se lê a respeito diz que foi um amplo
processo de corrupção. E isso é esquecido na hora de se apontar o dedo
para os outros.
Ao mesmo tempo, não podemos dizer que o PT, tanto como partido quanto como governo, não participou de certas práticas que são condenáveis.
Olha, o PT... Um dos pilares de fundação do PT foi a visão de que ele
era um partido diferente, que não se pautaria pelas práticas dos
partidos tradicionais. Sobretudo práticas de corrupção, práticas
patrimonialistas. O PT não tinha o direito de, em nome da
governabilidade, adotar certas práticas. Não estou dizendo que são
práticas de corrupção, isso é algo que tem que ser apurado no devido
processo legal, e quem praticou corrupção deve responder nos termos da
lei. Mas desde que apurado no devido processo legal, não apurado numa
manchete de jornal.
Ainda que se chegue ao final de todas essas histórias, e se chegue à
conclusão de que não houve prática de corrupção, ainda assim o PT errou
politicamente porque entrou num jogo de barganha, entrou num jogo de
negociação, que em nome da governabilidade acabou maculando a imagem do
partido, e acabou facilitando o trabalho de seus inimigos no sentido de
pregar a pecha de corrupção na testa do partido.
O grande problema é que fica muito difícil apurar, tanto no escândalo
chamado mensalão, como agora no escândalo da Petrobras, o que é verdade
ou o que é mentira. O que é apuração de fato ou o que é escândalo
fabricado. Porque virou um circo midiático de tal monta, de tal
magnitude, que mesmo aqueles – e estou me colocando nesse campo –, que
têm o mínimo de conhecimento jurídico, o mínimo de conhecimento de como
são os processos judiciais, têm dificuldade em distinguir quem é culpado
de quem é inocente, quem praticou e quem não praticou corrupção.
A ministra Rosa Weber não disse num voto: “não tenho provas, mas posso te prender”?
Foi um voto preparado pelo juiz Sergio Moro, que era o assessor da ministra Rosa Weber.
Como era exatamente a frase célebre?
“A doutrina jurídica me ensina que eu posso condenar sem provas”.
Quando a doutrina jurídica ensina exatamente o contrário, só se pode
condenar com provas.
A Globo News parou sua programação regular e ficou a passar horas do julgamento ao vivo.
O Brasil é o único país do mundo em que um julgamento penal é
divulgado ao vivo. Não há essa hipótese em qualquer país do mundo.
De quem foi essa ideia?
Foi o ministro Marco Aurélio, quando estava na interinidade da
presidência da República, quem criou o televisionamento direto das
sessões do plenário.
Foi parte do jogo de forças políticas entre os três poderes, para fortalecer o STF?
Eu presumo que não. Não estou na mente do ministro Marco Aurélio para
saber, mas sempre se acusou o Poder Judiciário de ser pouco
transparente, um poder fechado e avesso à publicidade dos seus atos.
Presumo que o ministro Marco Aurélio, quando idealizou isso, tivesse
pensando em termos democráticos, de dar mais transparência. Coisa que
até concordo em partes. Mas uma ação penal não pode ser transmitida, nem
ao vivo nem filmada. Acredito que nisso deveríamos imitar outros
países, como a Alemanha e a França. São famosas na corte americana
aquelas aquarelas feitas por desenhistas autorizados, da casa, é o
máximo que pode acontecer. Há países como a Alemanha em que só se
divulga o nome de um acusado depois que ele é condenado e da sentença
transitada em julgado. Até então os jornais não podem divulgar o nome do
acusado. Aqui no Brasil não se preserva ninguém, aqui a regra é o
linchamento.
Os vazamentos seletivos da Polícia Federal na Operação Lava Jato constituem crime?
Sim, mas não sei se foi a Polícia Federal, o Ministério Público ou
talvez o próprio juiz Sérgio Moro, isso deveria ser investigado.
Investigados por quem?
Se é a Polícia Federal, deveria- se abrir inquérito no Ministério da
Justiça para apurar o vazamento. Se for juiz, deve-se ir ao Conselho
Nacional de Justiça e abrir investigação. E se for o Ministério Público,
a investigação é do Conselho Nacional do Ministério Público.
Eu não vejo pessoas ou entidades lutando por essa investigação, nem o nosso ministro da Justiça.
Acho que alguns desvios de conduta, alguns expedientes que são
ilegais, estão se transformando em praxe. O excepcional está se tornando
regra. É isso o que está acontecendo no Brasil ultimamente.
O senhor foi presidente da Comissão da Verdade no Rio de janeiro. Há relação entre nosso problema de memória em relação à ditadura militar com práticas arbitrárias que existem hoje, tanto nas favelas com os mandados coletivos de busca quanto com a negação de habeas corpus aos executivos investigados pela Lava Jato?
Em relação ao que acontece nos bairros pobres e nas favelas, há
práticas que não foi a ditadura quem inventou. Essa questão do mandado
de busca e apreensão coletivos não foi a ditadura quem inventou, foi o
Poder Judiciário de hoje. Às vezes nós praticamos, e falo de forma
jocosa e irônica, injustiças contra a ditadura. Porque na nossa cabeça
não passa que uma democracia possa gerar e praticar atos que são
próprios exatamente de regimes arbitrários. Mas isso aí, por exemplo, é
uma criação da nossa democracia. O Amarildo não desapareceu na ditadura,
desapareceu dentro de um regime democrático. Nós temos que ter isso em
mente pra entender que a nossa democracia precisa de um aperfeiçoamento
radical. Ela guarda elementos autoritários muito preocupantes.
O senhor poderia citar outros?
A tortura. Ela não foi inventada pela ditadura, a polícia sempre
torturou. A tortura acontecia antes da ditadura, durante a ditadura e
depois da ditadura. Durante a ditadura, houve uma nova clientela da
tortura, que eram os guerrilheiros oriundos da classe média, estudantes,
de família até abastadas, mas que como resolveram combater o regime da
época, entraram no couro, entraram no pau de arara. Mas sobre as classes
populares sempre houve tortura, e continua a haver. Nessa hora em que
estamos conversando aqui alguém está sendo torturado.
Voltando à questão das cidades e favelas, da criminalidade urbana.
Para se combater essa criminalidade cometem-se outro crimes. A polícia,
os agentes da repressão praticam crimes em nome do combate ao crime. Da
mesma forma que em nome do combate à corrupção praticam-se ilegalidades,
desrespeitam-se direitos fundamentais, num vale-tudo porque está se
combatendo a corrupção. É o que o aconteceu na Ação Penal 470 e o que
está acontecendo agora na Operação Lava Jato. O combate à corrupção deve
acontecer, e quem praticou corrupção deve responder nos termos da lei.
Mas a apuração deve se dar também nos termos da lei.
Agora, em relação a esses julgamentos midiáticos, Lava a Jato e etc.,
o que está acontecendo é que o juiz que comanda o inquérito é um
cruzado, ele se sente um salvador da pátria. Ele age como um justiceiro,
um acusador, não como um magistrado, da mesma forma como o ministro
Joaquim Barbosa agiu na Ação Penal 470. Barbosa anteriormente foi membro
do Ministério Público.
Esse juiz Sérgio Moro tem traços de uma espécie nova de fanatismo que
está surgindo, o fanatismo judicial, que foi criado pelo ministro
Joaquim Barbosa. 'Sou cruzado. Eu vou resolver essa mazela que é a
corrupção. Está nas minhas mãos resolver isso'. Ele tem todo o viés do
acusador. A defesa não tem voz nem vez num inquérito do juiz Sergio
Moro. Os jornais não divulgam a palavra da defesa. Os procurados posam
na Folha de S. Paulo de intocáveis.
A Operação Lava Jato pode estar sendo utilizada pra tentar quebrar a infraestrutura do país? Uma tentativa de paralisar a economia e fragilizar o governo?
Não creio que tanto o juiz Sérgio Moro quanto esses rapazes
procuradores tenham projeto de derrubar ou desestabilizar o governo. Se
sinceramente for isso, eles não podem ocupar cargo público.
Eu acho apenas que eles não se incomodam, eles não têm qualquer
discernimento quanto à repercussão social de seus atos como procurador,
como juiz. Não querem saber, eles pensam assim: 'Não tem que acolher
acordo de leniência e ponto. Se isso vaio causar desemprego, se isso
vaio causar crise, se isso vai quebrar empresas, dane-se. Eu estou
agindo na forma da lei. Essas empresas são organizações criminosas e
devem arcar com os ônus disso'. Não creio que seja um programa de
derrubar o governo Dilma, ou de desestabilizar o governo a partir do
Judiciário ou do Ministério Público. Acho até pior não refletir sobre
qual será a repercussão social do que se está fazendo, de não pensar em
que forma nós podemos mitigar os danos que essas empresas causaram. Isso
é pior que ter má fé em relação à investigação.
Sem acordo de leniência, as empreiteiras serão impedidas de entrar em processos de licitação?
Abrirá espaço pra empresas estrangeiras. Será a desnacionalização de um setor estratégico da economia nacional.
Eles não têm noção disso?
Eles estão se lixando para isso. Mas se tudo fizer parte de um
projeto, se a história mostra que era isso, eles têm que sentar no banco
dos réus.
De onde veio esse poder dos procuradores?
Todas as constituições pós ditadura, pós regime autoritários, dão uma
virada democrática muitas vezes exacerbada. O Ministério Público é um
monstro institucional, é o Ministério Público mais poderoso do mundo. E
os procuradores ganharam uma autonomia tal que não precisam dar
satisfações ao procurador-geral. Esses meninos lá do Paraná fazem o que
bem entendem e o Janot assiste.
É preciso uma reforma que retire poderes do Ministério Público,
deve-se delimitar os poderes de um procurador, ele tem que prestar
satisfação ao procurador-geral. Eles não podem ter essa autonomia
exacerbada a ponto de paralisar a economia de um país. É um absurdo, mas
isso é em decorrência de uma distorção que está na Constituição de
1988. Não é à toa que o ex-procurador-geral e ex-ministro do STF
Sepúlveda Pertence outro dia desabafou: “Eu ajudei a criar um monstro”,
ou seja, o Ministério Público.
Os procuradores, na investigação e abertura de inquérito, eles têm
uma autonomia exacerbada, eles podem abrir uma investigação sem
consultar ninguém, às vezes sem base nenhuma. O procurador-geral é um
cargo político, ele tem que aprovar as investigações.
O senhor concorda com a afirmação de que nunca se investigou tanto a corrupção na história desse país?
Olha, na ditadura, que foi um regime absolutamente corrupto, ao
contrário do que alguns imbecis, ou desavisados... Há imbecis que são
velhos o suficiente pra saber que quando vão para a rua com cartaz
pedindo intervenção militar, a volta à ditadura e etc., estão agindo de
má fé porque sabem que havia corrupção na ditadura. Agora a imprensa não
podia divulgar porque estava sob censura. O poder judiciário não
julgava porque estava manietado, o Ministério Público ou era cúmplice ou
também estava manietado. Mas havia corrupção. No governo Fernando
Henrique Cardoso havia muita corrupção, no entanto, o Ministério Público
não estava aparelhado tecnologicamente, e não havia a disposição de
investigar.
O Ministério Público é hoje mais independente com o respeito à indicação da corporação na lista tríplice?
Essa bobagem foi uma invenção do PT. O presidente da República tem
que nomear quem ele entender que deva nomear. O chefe do Ministério
Público não é sindicalista nem presidente de sindicato. O
procurador-geral da República tem atribuições extracorporativas, então
essa história de prestigiar a escolha da corporação é uma tolice. E tive
a oportunidade de dizer isso ao presidente Lula, disse, com muito
respeito, mas disse.
Qual foi a reação?
Ele riu. O presidente Lula é um democrata, e recebe críticas, formuladas respeitosamente, muito bem.
O maior erro dele foi a indicação de Joaquim Barbosa para o STF?
Eu acho que os governos do PT não entendiam ou continuam não
entendendo o que é o Poder Judiciário. Os critérios que devem ser
obedecidos em primeiro lugar são os que estão na Constituição: notável
saber jurídico e reputação ilibada. Ao obedecer esses critérios, a
escolha deve ser feita por quem melhor se adéqua ao meu governo. Assim é
nos Estados Unidos. Não há lá a possibilidade de um presidente
republicano indicar um democrata, e um democrata indicar um republicano.
E isso não torna o indicado o indicado, o nomeado, parcial. O
presidente Roosevelt tinha o programa do New Deal, com programas sociais
e programas de combate ao racismo. A Suprema Corte era um obstáculo. Só
que o presidente Roosevelt ficou quatro mandatos, e assim teve a
oportunidade de montar uma Suprema Corte de acordo com o programa do
partido democrata. Não há nisso crime, e não há nisso desonestidade, e
não se pode dizer que esses ministros sejam parciais. Alguém acusa a
Suprema Corte americana de ser aparelhada?
O que o senhor pensa da recém-aprovada PEC da Bengala?
Isso é uma teratologia! Uma monstruosidade. É outro problema do atual
Congresso Nacional: o casuísmo agora está atingindo a Constituição.
Casuísmo atingindo a lei ordinária sempre foi um expediente de vez em
quando utilizado por determinadas maiorias do Congresso Nacional. Hoje
esse casuísmo está sendo utilizado para modificar a Constituição. A PEC
da Bengala é um exemplo, a redução da maioridade penal é outro. Assim
como a tentativa de reeleição beneficiando os atuais presidentes da
Câmara e do Senado, e por aí vai.
O senhor assumiu seu mandato bem no início da votação da reforma política. Sendo mestre em direito constitucional, como o senhor viu a proposta da presidente Dilma Rousseff de uma constituinte específica para a reforma política?
O que se passou pela cabeça da presidente Dilma é absolutamente
compreensível: 'Esse Congresso não vai fazer reforma política que
preste, então vamos convocar uma constituinte'. E a vida está dando
razão a ela. Tecnicamente falando, ela seria de duvidosa
constitucionalidade, e inócua, porque de qualquer maneira a proposta
teria que passar pelo Congresso Nacional. Acredito que a bandeira da
constituinte para fazer a reforma política tenha mais um caráter moral
do que propriamente um caráter de eficácia, de possibilidade. Só vai
haver constituinte no Brasil quando houver ruptura do regime. A abertura
das constituintes vêm seguindo às rupturas. O que foi a constituinte de
1988? Foi a constituinte após a ditadura, para promulgar uma
constituição que superasse o período autoritário, que superasse a
ditadura. É muito difícil uma constituinte derivada pra fazer
modificações tão profundos na vida pública. Teria que haver um consenso
na sociedade e em torno das forças políticas pra que isso acontecesse.
Esse Congresso é capaz de fazer uma reforma política?
Não está havendo reforma política nenhuma, o que está em curso no
Congresso hoje é uma contra-reforma política. É uma vergonha o que está
acontecendo por lá. Foi uma vergonha o presidente da Câmara conseguir
reaglutinar uma maioria para desfazer o que havia sido acordado na noite
anterior.
Qual seria a reforma política que o senhor defende?
A principal medida é acabar com a dinheirama nas campanhas
eleitorais, e acabar com as doações de empresa. Esse seria o primeiro
item. E a partir daí é aperfeiçoar os sistemas eleitorais.
O PT acabou de proibir as doações empresariais. Se elas não forem aprovada na reforma política, o partido não vai entrar nas campanhas de 2016 com um caixa muito menor?
Eu acho que essa declaração foi precipitada. Há determinadas coisas
que, se você falar apenas para dar satisfação, se não for fruto de
planejamento, fruto de uma discussão interna aprofundada, pode te acabar
levando a dar um passo político errado.
Poderia ter sido o resultado de um processo de ampla discussão.
Deveriam ter aguardado o processo da reforma politica no Congresso
Nacional para depois se manifestar.
O senhor recebeu dinheiro de empresas em sua campanha?
Não. Mas se alguma empresa tivesse doado para mim, isso
necessariamente configuraria crime? Não? Porque é legal. Hoje em dia é
legal empresas doarem para candidatos. Agora isso, tendo em vista toda a
nossa história política, tendo em vista esse quadro do Congresso
Nacional, isso é desejado? Não. Por isso nós combatemos o financiamento
empresarial. Há candidatos que receberam limpamente o dinheiro de
empresas. Eu não quis porque eu tinha condições, minha campanha foi
sustentada por mim e pela generosidade de colegas advogados.
O senhor é a favor do voto facultativo?
Doutrinariamente sou a favor. No mundo ideal, onde todos os cidadãos
são conscientes de seus direitos e obrigações, onde todos os cidadãos
têm compromisso com o país. Os cidadãos nesse mundo ideal também teriam
direito de irem ou não votar.
Agora, num contexto em que a política está criminalizada, em que no
imaginário da população ser político é sinônimo de ser bandido, de ser
ladrão, em que a grande mídia contribui decisivamente para a
criminalização da política, vem o Congresso e estabelece o voto
facultativo? Isso será a consolidação do processo de deslegitimação da
representação, sobretudo parlamentar. Qual é o cidadão que vai querer
sair de casa para votar em bandidos? Já que essa é a tese que domina
hoje. O índice de abstenção, que já é alto, seria muito maior e teríamos
governos em parlamentos considerados ilegítimos.
Um dos argumentos a favor do facultativo é que ele poderia reduzir o chamado voto de protesto, que já ajudou a eleger Tiririca e Enéas. Também poderia inibir a escolha do candidato pelas cores do santinho jogado no chão da Zona Eleitoral...
E não gosto de estigmatizar ninguém. Acho que o voto no Tiririca pode
ter sido de protesto, mas também foi um voto de convencimento. Um voto
da consciência que as pessoas têm.
Por conta disso, sem perceber, estamos tendo uma visão elitista da
política, e isso pode nos levar a correr o risco de decidir quem deve
votar ou não. Um voto censitário, onde só podem votar os bem preparados.
Não é isso. O presidente Lula é um grande exemplo, não tem instrução
formal e tem uma inteligência invulgar, tem um discernimento para a
politica que beira a genialidade. Quantos Lulas não devem existir por aí
também? Eu acho que o que deve ser aperfeiçoado é o nosso sistema
político de representação e o fim do financiamento empresarial.
E das eleições gerais?
Eu tendo a ser contra, mas ainda está sendo discutido na bancada.
Apenas uma eleição você colocar para o eleitor a possibilidade de votar
para presidente da República, senador, governador, prefeito, deputado
federal, deputado estadual e vereador? Sinceramente, eu não sei como
seria a qualidade desse voto, e não sei se esse é o melhor caminho. Mas
eu não tenho uma opinião formada, tenho muitas dúvidas.
Reeleição?
Eu votei pelo fim da reeleição. Doutrinariamente eu acho
perfeitamente cabível a reeleição. As principais democracias do mundo
têm reeleição sem qualquer problema. Mas existe um clamor como esse
processo de criminalização da política. Mas nesse tema é o cinismo do
PSDB que me chama a atenção. A reeleição foi introduzida pelo PSDB, num
processo que já discutimos aqui qual foi, com compra de votos. E agora o
PSDB quer capitanear o processo de fim da reeleição?
Seria medo de que Lula fique mais oito anos na presidência?
Acho que não é medo do presidente Lula. Ele já teve dois mandatos, e
terá certamente um terceiro em 2018. Até acredito que ele gostaria que
existissem novas lideranças no PT, mas às vezes o processo histórico não
é como a gente quer que seja. O presidente Lula vai cumprir o seu papel
e vai se eleger em 2018. Vai fazer um grande governo novamente e com
certeza vai ajudar na criação de novas lideranças no PT.
No Maranhão o governador Flavio Dino (PCdoB) teve que construir uma ampla rede de apoios para tirar a família Sarney do poder. Seu vice é do PSDB, e a militância do PT, embora o partido tenha apoiado formalmente Lobão Filho (PMDB), trabalhou intensamente em sua campanha. Aqui no Rio está se formando uma aliança de esquerda em torno do Marcelo Freixo (Psol). Parte do PT fluminense tem simpatia por essa aliança, enquanto o presidente do PT fluminense, Washington Quaquá, quer fechar com Pedro Paulo (PMDB). Como o senhor se coloca?
Flavio Dino é um querido amigo. No Maranhão, de fato, houve essa
concentração de forças, mas era ele quem organizava o agrupamento. O
governador Flavio Dino não está a reboque de sua coalizão, ele a
comanda. Quem dá as cartas lá não é o PSDB, é o agrupamento político do
governador Flavio Dino, há que se marcar isso.
Aqui no Rio acredito que o PT deve pensar em candidatura própria.
Pode ser o caso de, mais à frente, afunilar uma outra candidatura
progressista de esquerda, que seja o Marcelo Freixo, que seja outro, é
caso a se ver. Mas essa parte do PT que critica a aliança com o PMDB
quer ficar a reboque de outra?
O PT tem que pensar em candidatura própria. Se isso se mostrar
inviável, ou se isso contribuir para a vitória de um candidato
conservador, de direita, aí sim pensa-se em apoios e alianças, mesmo que
ainda no primeiro turno, ainda tem muita água para rolar. O PT não
deve, a princípio, ser uma força satélite de outra candidatura.
Me diga, o que houve com o PT fluminense?
Na verdade o PT – isso ele tem em comum com o PSDB –, com todo o
respeito aos paulistas e paulistanos, o PT foi um partido hegemonizado
pelos paulistas desde a fundação. O presidente Lula, embora do Nordeste,
fez sua trajetória política em São Paulo. Os principais quadros
nacionais do partido eram de São Paulo. E o Rio de Janeiro, assim como
outros estados, era vítima desse “paulicentrismo”. Várias vezes o
Diretório Nacional interveio aqui. Nós queríamos uma candidatura
própria, e o Diretório Nacional nos impondo alianças, como foi com o
Garotinho. Isso contribui para que o PT do Rio não consiga se afirmar
como uma força política hegemônica na cidade e no estado. Eu acho que o
PT no Rio de Janeiro tem uma história muito importante. Hoje estamos
numa conjuntura antipetista muito acentuada, mas o PT do Rio deve
procurar se afirmar por seus modos e meios.
O espaço deixado pelo PT no Rio está sendo ocupado pelo Psol?
O Psol tem excelentes parlamentares: o Chico Alencar, o Jean Wyllys, o
Marcelo Freixo. Não se pode negar. Eles acabaram ocupando o espaço da
juventude, que hoje tem muita restrições ao PT, e com razão. Acredito
que está na hora de tentar recuperar nossa imagem com a juventude. É
hora de o PT recuperar aquelas pessoas que não vão bater panelas nas
varandas da Zona Sul do Rio nem nos Jardins em São Paulo, mas que também
não vão a manifestações do PT. Está na hora de recuperar essas pessoas,
elas foram desencantadas com o PT e com a política. E com toda a razão.
Não seria um reflexo de ser governo?
É verdade. Todos os partidos populares, até mesmo o bolchevique, que
era um partido revolucionário, quando chegou ao poder teve problemas
dessa ordem. Enfim, governar. O pragmatismo de governar e a opção de
manter princípios, manter valores. Isso é da arte da política. Acho que o
PT deu uma guinada muito forte no pragmatismo, e acabou por se
confundir com os partidos tradicionais que ele tanto combatia na época
da fundação. Então está na hora de recuperar algumas bandeiras.
E romper com o PMDB?
Acho que nós temos que ter isso em permanente avaliação.
Se houver o rompimento com O PMDB o partido não racha? Tem uma parte que certamente não quer sair do governo.
Eu acho que pra 2018 vai ser muito difícil manter essa aliança com o PMDB.
Mas o apoio de Quaquá a Pedro Paulo já não é pensando em 2018?
A política tem uma dinâmica própria, o que é válido pra 2016 pode não ser válido pra 2018.
O jornalista Breno Altman escreveu que falta na esquerda personagens “da estirpe” de Eduardo Cunha. “Ele é implacável. Não se preocupa com a imagem ao defender ideias nas quais acredita. Enfrenta adversários até levá-los à derrota ou à capitulação incondicional”. O senhor concorda?
Não li o texto, ele deve estar sendo irônico. Mas de fato hoje na
esquerda falta coragem. Coragem de afirmar sua pauta, e quando eu falo
esquerda estou me referindo mesmo ao PT. Falta coragem. A ousadia que
esse Eduardo Cunha tem. Claro que sua ousadia é aquela que contorna a
Constituição, contorna determinados princípios e valores que nós nunca
deveremos contornar. Se formos pela linha radical “falta Eduardo Cunha
na esquerda”, nós vamos acabar chancelando o pragmatismo exacerbado que o
PT adotou pra poder governar. Então não é exatamente assim, mas falta
efetivamente no campo de esquerda alguém com a postura da coragem e do
enfrentamento nesse momento desfavorável.
Durante a campanha presidencial a Luciana Genro (Psol) não ocupou esse papel?
É verdade, mas a Luciana Genro fala de um lugar muito cômodo. Ela não
tem maiores pretensões. Quem deveria estar de uma certa forma adotando,
recuperando determinadas bandeiras, determinados princípios, é o PT. E
isso é que é difícil. Para isso requer-se coragem. Até mesmo pra dizer
não ao governo em determinadas ocasiões. A gente não pode ser o partido
da linha de transmissão.
O senhor vai dedicar seu mandato à defesa dos direitos individuais?
Meus anos de OAB podem ter me moldado nesse sentido. Vou ser um
advogado no Congresso, no sentido de defender a ordem jurídica do Estado
democrático de direito, que no meu ponto de vista está sob ameaça. E
não por parte das forças armadas, está sob ameaça de alguns setores do
poder judicial, de setores do Ministério Público. São órgãos do Estado
que estão exacerbando suas atribuições. Sou um militante dos direitos
humanos, e vou continuar a empunhas suas bandeiras. Não sou um militante
LGBT, não sou um militante negro, não sou militante religioso. Sou
militante do plano dos direitos, vou combater a intolerância religiosa,
sobretudo em defesa das religiões de matriz afro-brasileiras, vou
defender o Estado laico, vou combater qualquer forma de discriminação.
Há uma bancada conservadora que deve ser enfrentada.
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