domingo, 14 de junho de 2015

Ex-diretor condena o obscurantismo estúpido da revida Época



"Difícil mesmo. Vale, vale. O texto é de um tempo em que ainda havia vida e jornalismo nas redações. Apuração boa, mais substantivos e histórias do que adjetivos. Agora, tirar o texto dos arquivos eletrônicos da revista é de um obscurantismo estúpido e isso atende por um nome: partidarismo", escreveu o jornalista Luis Costa Pinto, ex-editor de Época, sobre a decisão da revista de tirar de seus arquivos uma reportagem que apontava como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso levantou recursos para seu instituto, o iFHC, quando ainda era presidente. 

Aparentemente, a decisão foi tomada pelos editores do grupo Globo com a intenção de se atacar o financiamento ao Instituto Lula, apagando registros históricos de doações ainda maiores, e em circunstâncias condenáveis, feitas ao iFHC.

Leia, abaixo, texto do DCM a respeito e a reportagem que se tentou apagar:

A revista Época tirou do seu site um artigo em que contava como, no final de sua presidência, FHC ‘passou o chapéu’ para recolher recursos para montar seu instituto.

O serviço de queima de arquivo, no entanto, não foi bem feito.

O Google guardou uma foto do texto. Quem procura a matéria no Google encontra essa cópia fotográfica.

O Google explica que o dono do conteúdo pode pedir para remover o texto caso queira, mas até aqui a Época não se mexeu.

Abaixo segue a reportagem, copiada e colada:

FHC passa o chapéu

Presidente reúne empresários e levanta R$ 7 milhões para ONG que bancará palestras e viagens ao Exterior em sua aposentadoria
Gerson Camarotti

Foi uma noite de gala. Na segunda-feira, o presidente Fernando Henrique Cardoso reuniu 12 dos maiores empresários do país para um jantar no Palácio da Alvorada, regado a vinho francês Château Pavie, de Saint Émilion (US$ 150 a garrafa, nos restaurantes de Brasília). Durante as quase três horas em que saborearam o cardápio preparado pela chef Roberta Sudbrack – ravióli de aspargos, seguido de foie gras, perdiz acompanhada de penne e alcachofra e rabanada de frutas vermelhas -, FHC aproveitou para passar o chapéu. Após uma rápida discussão sobre valores, os 12 comensais do presidente se comprometeram a fazer uma doação conjunta de R$ 7 milhões à ONG que Fernando Henrique Cardoso passará a presidir assim que deixar o Planalto em janeiro e levará seu nome: Instituto Fernando Henrique Cardoso (IFHC). 

O dinheiro fará parte de um fundo que financiará palestras, cursos, viagens ao Exterior do futuro ex-presidente e servirá também para trazer ao Brasil convidados estrangeiros ilustres. O instituto seguirá o modelo da ONG criada pelo ex-presidente americano Bill Clinton. Os empresários foram selecionados pelo velho e leal amigo, Jovelino Mineiro, sócio dos filhos do presidente na fazenda de Buritis, em Minas Gerais, e boa parte deles termina a era FHC melhor do que começou. Entre outros, estavam lá Jorge Gerdau (Grupo Gerdau), David Feffer (Suzano), Emílio Odebrecht (Odebrecht), Luiz Nascimento (Camargo Corrêa), Pedro Piva (Klabin), Lázaro Brandão e Márcio Cypriano (Bradesco), Benjamin Steinbruch (CSN), Kati de Almeida Braga (Icatu), Ricardo do Espírito Santo (grupo Espírito Santo). Em troca da doação, cada um dos convidados terá o título de co-fundador do IFHC.

Antes do jantar, as doações foram tratadas de forma tão sigilosa que vários dos empresários presentes só ficaram conhecendo todos os integrantes do seleto grupo de co-fundadores do IFHC naquela noite. Juntos, eles já haviam colaborado antes com R$ 1,2 milhão para a aquisição do imóvel onde será instalada a sede da ONG, um andar inteiro do Edifício Esplanada, no Centro de São Paulo. Com área de 1.600 metros quadrados, o local abriga há cinco décadas a sede do Automóvel Clube de São Paulo.

O jantar, iniciado às 20 horas, foi dividido em dois momentos. Um mais descontraído, em que Fernando Henrique relatou aos convidados detalhes da transição com o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Na segunda parte, o assunto foi mais privado. Fernando Henrique fez questão de explicar como funcionará seu instituto. Segundo o presidente, o IFHC terá um conselho deliberativo e o fundo servirá para a administração das finanças. Além das atividades como palestras e eventos, o presidente explicou que o instituto vai abrigar todo o arquivo e a memória dos oito anos de sua passagem pela Presidência.

A iniciativa de propor a doação partiu do fazendeiro Jovelino Mineiro. Ele sugeriu a criação de um fundo de R$ 5 milhões. Só para a reforma do local, explicou Jovelino, será necessário pelo menos R$ 1,5 milhão. A concordância com o valor foi quase unânime. A exceção foi Kati de Almeida Braga, conhecida como a mais tucana dos banqueiros quando era dona do Icatu. Ela queria aumentar o valor da ajuda a FHC. Amiga do marqueiteiro Nizan Guanaes, Kati participou da coleta de fundos para a campanha da reeleição de FHC em 1998 – ela própria contribuiu com R$ 518 mil. “Esse valor é baixo. O fundo poderia ser de R$ 10 milhões”, propôs Kati, para espanto de alguns dos presentes. Depois de uma discreta reação, os convidados bateram o martelo na criação de fundo de R$ 7 milhões, o que levará cada empresário a desembolsar R$ 500 mil. Para aliviar as despesas, Jovelino ainda sugeriu que cada um dos 12 presentes convidasse mais dois parceiros para a divisão dos custos, o que pode elevar para 36 empresários o número total de empreendedores no IFHC.

Diante de uma platéia tão requintada, FHC tratou de exercitar seus melhores dotes de encantador de serpentes. “O presidente estava numa noite inspirada. Extremamente sedutor”, observou um dos presentes. Outro empresário percebeu a euforia com que Fernando Henrique se referia ao presidente eleito, Lula da Silva. “Só citou Serra uma única vez. Mas falou tanto em Lula que deu a impressão de que votou no petista”, comentou o convidado. O presidente exagerou nos elogios a Lula da Silva. Revelou que deixaria a Granja do Torto à disposição do presidente eleito. “Ele merece”, justificou. “A transição no Brasil é um exemplo para o mundo.” Em seguida, contou um episódio ocorrido há quatro anos, quando recebeu Lula no Alvorada, depois de derrotá-lo na eleição de 1998. O presidente disse que na ocasião levou Lula para uma visita aos aposentos presidenciais, inclusive ao banheiro, e comentou com o petista: “Um dia você ainda vai morar aqui”.

Na conversa, Fernando Henrique ainda relatou que vai tentar influir na nomeação de alguns embaixadores, em especial na do ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, para a ONU. Antes de terminar o jantar, o presidente disse que passaria três meses no Exterior e só voltaria para o Brasil em abril. Também revelou que pretende ter uma base em Paris. “Nada mal!”, exclamou. Ao acabar a sobremesa, um dos convidados perguntou se ele seria candidato em 2006. FHC não respondeu. Mas deu boas risadas. Para todos os presentes, ficou a certeza de que o tucano deseja voltar a morar no Alvorada, projeto que FHC desmente em conversas mais formais.

Embora a convocação de empresários para doar dinheiro a uma ONG pessoal possa levantar dúvidas do ponto de vista ético, a iniciativa do presidente não caracteriza uma infração legal. “Fernando Henrique está tratando de seu futuro, e não de seu presente”, diz o procurador da República Rodrigo Janot. “O problema seria se o presidente tivesse chamado empresários ao Palácio da Alvorada para pedir doações em troca de favores e benefícios concedidos pelo atual governo.”

O IFHC não será o primeiro no país a se dedicar à memória de um ex-presidente. O senador José Sarney (PMDB-AP) criou a Fundação Memória Republicana para abrigar os arquivos dos cinco anos de seu governo. Conhecida hoje como Memorial José Sarney, a entidade está sediada no Convento das Mercês, um edifício do século XVII, em São Luís, no Maranhão. Pelo estatuto, é uma fundação cultural, sem fins lucrativos. Mas também já foi alvo de muita polêmica. Em 1992, Sarney aprovou no Congresso uma emenda ao Orçamento que destinou o equivalente a US$ 153 mil para seu memorial. Do total, o ex-presidente conseguiu liberar cerca de US$ 55 mil.

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