quarta-feira, 22 de outubro de 2008

NOTÍCIA QUE VAI DEIXAR OS DEMOS E OS TUCANOS ENSANDECIDOS


Suíça corre risco perder o segredo bancário


Por Rui Martins - correspondente - de Berna



Foi como um terremoto ou tsunami. Enquanto os trouxos dos acionistas se reuniam em Zurique para ser ludibriados pelo dirigente do banco, que lhes acenava com um primeiro resultado positivo, a verdade era bem outra. Imitando o que ocorreu há alguns anos com a Swissair, glória enterrada e chorada da Suíça (uma espécie de versão suíça da Panair), havia um corre-corre entre diretores e membros do governo para evitar a falência do maior banco suíço – o UBS. O banco já havia perdido perto de US$ 50 bilhões, entre o fim do ano passado e o primeiro semestre, e foi o primeiro em todo o mundo a sofrer a crise dos subprimes.

Desta vez, nas duas semanas passadas, havia um inesperado fenômeno de evasão de capitais, esvaziando os cofres do UBS. Durante toda sua existência, os diretores e funcionários do banco suíço tinham incentivado a evasão de capitais ou evasão fiscal dos países vizinhos e dos países do terceiro mundo, que com o dinheiro da fraude e corrupção ajudaram, durante muitos anos, a encher seu cofre com notas de todas as cores e tamanhos, numa autêntica globalização de depósitos.

De repente, porém, o pipeline inverteu o fluxo do dinheiro – estava saindo em profusão em vez de entrar, jorrando para ser mais exato, dos cofres do banco para fora, numa evasão inversa de capitais. Eram os grandes depositantes estrangeiros retirando seus dinheiros, alarmados com o risco de o UBS repetir o Lehmans e tudo virar fumaça. Junto com fundos de pensão e de empresas, fugiam também os depósitos dos fraudadores do fisco e dos políticos que transferiam para suas contas, na Caverna de Ali Babá suíça, as comissões ganhas em concorrências públicas e outras indelicadezas com o dinheiro público.

Ninguém falou na nossa tão bem informada imprensa brasileira e não saiu no Jornal Nacional, mas foram duas semanas de frenesi entre os brasileiros abonados, que escolheram a Suíça para esconder seus caixas dois e seus cofres secretos. Somando-se tudo, saíram tão depressa como tinham entrado, cerca de US$ 70 bilhões de fundos estrangeiros. Os cofres mostravam partes vazias assim como, ainda hoje, o maior aeroporto suíço, o de Zurique, foi esvaziado depois da grunding ou falência da Swissair.

Nem bem os estrangeiros trataram de salvar sua grana escondida, começaram as filas nos guichês de suíços comuns pequenos depositantes, gente assustada com os rumores e não querendo ficar com os extratos bancários vazios. Foi aí que entrou o governo.

Jean Ziegler, o primeiro a denunciar a armação bancária que está levando a economia mundial para o brejo, conta nos seus livros que o parlamento e o governo suíços são colonizados pelas grandes empresas e pelos bancos. Os parlamentares não são profissionais, com salário como no Brasil, eles ganham por cachê, por sessão, o resto é pago pelas empresas e bancos, nos seus cargos de vice-presidentes de conselhos administrativo (mensalão suíço tão pouco falado). Ou seja, para quem não tem uma empresa ou banco atrás, o exercício a tempo integral de um mandato parlamentar é um ato de idealismo por ser mal pago.

Então, o que aconteceu? Enquanto na União Européia, os países assumiram o controle dos bancos perdedores, o governo suíço assumiu só as dores do banco UBS e se sujeitou às suas condições. Assim, quando o banco ia falir por falta de liquidez nos caixas, o Banco Nacional Suíço, cujo dinheiro é da nação, por assim dizer, de todos os suíços, decidiu fazer um investimento maluco no UBS. A junta governamental suíça, formada de sete ministros, como se tivesse abusado do uísque, decidiu ficar com todos os títulos podres ou tóxicos do UBS e pagou por eles o valor neles declarado, quando não valem nem um traque, ou seja 60 bilhões de dólares, pagos cash, como se tratasse de barras de ouro.

Para a coisa não ficar muito evidente, informou-se ao povo que se trata de um empréstimo a 12% ao ano e que, terminada a crise, o governo ainda vai sair ganhando. Será que o povo suíço acredita em Papai Noel e contos da carochinha? Vai ver que sim. A papelada que o Banco Nacional Suíço levou para seus cofres, em lugar do dinheiro saído, vale tanto quanto os títulos dos empréstimos russos, de antes da Revolução, que ainda hoje muitos europeus guardam como lembrança de como seus pais e avós foram enganados.

Bom, o Estado suíço salvou o banco UBS sem ter uma contrapartida. Foi um negócio furado, amanhã quando o banco sair do buraco, vai poder resgatar os títulos pelo valor da cotação do dia, ou seja, por menos que nada. Como dizem alguns socialistas, quem financiou a salvação do banco UBS foi o povo suíço e, dividindo-se os bilhões dados ao banco pelo número de habitantes, crianças inclusive, sai na base de dez mil dólares por pessoa. E o Estado suíço não ganha nada, nenhuma participação no capital do Banco.

Por que tanta gentileza do Estado suíço com o banco privado UBS? Porque, na verdade, na Suíça, o que não é do banco UBS é do banco Credit Suisse. E como o UBS aplicou uma grande parte de seus fundos nos EUA, caso falisse quem ia falir também era a Suíça. É a confirmação da história contada pelo Ziegler de que, na Suíça, os cidadãos são os empregados das grandes empresas, laboratórios e bancos que governam o país. Ia ser como na Islândia.

Para encurtar, estavam empilhados na Suíça mais de US$ 3 bilhões vindos de todo o mundo. Com a correria, uma boa parte dessa fortuna colossal foi embora. Com as medidas de salvação propostas pelo presidente atual da União Européia, Sarkozy, que incluem acabar-se com os paraísos fiscais, entenda-se o segredo bancário, esse dinheiro fugido não vai mais voltar.

E o que vai ser da Suíça? Pode me perguntar um leitor preocupado com o dinheiro do Maluf, ainda bloqueado na Suíça (só mais dois anos, porque sem condenação no Brasil, as contas são desbloqueadas ao fim de dez anos). E eu responderia, sem Guerra quente ou fria, para ser neutra, sem capitais fugidos de todo mundo, sem segredo bancário, e ainda por cima isolada na Europa por decisão própria, o que você acha?



Fonte: Correio do Brasil.

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