Autor(es): Debora Diniz
Correio Braziliense - 09/01/2010
Professora da UnB e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis)
A descriminalização do aborto é questão na agenda política da Secretaria de Direitos Humanos no Brasil. A recomendação do recém-lançado 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) é de que o Legislativo descriminalize o aborto modificando o Código Penal. Há muito tempo o Ministério da Saúde e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres defendem a tese de que a descriminalização do aborto é uma necessidade de saúde e de proteção aos direitos das mulheres. Sendo assim, o que há de novo nesse reconhecimento de que a descriminalização do aborto deve ser uma ação prioritária de direitos humanos pelo Estado brasileiro? Certamente a recomendação do PNDH não é um simples ato retórico, em particular pelos riscos políticos que o tema provoca em um ano de eleições.
Os direitos humanos fazem parte de um acordo entre as nações. Como resultado de um ato racional de escolha, optamos por viver em sociedades que os respeitam em detrimento dos regimes totalitários ou ditatoriais. Ações básicas de nossa vida social, como o direito de ir e vir e a liberdade de expressão ou de pensamento, traduzidos em atos coloquiais, como ter o direito de frequentar uma comunidade religiosa, estão sob a proteção da cultura dos direitos humanos. Uma nação que assume o marco dos direitos humanos como ponto de partida para o funcionamento de suas instituições básicas é aquela que reconhece nas liberdades fundamentais, em particular no direito à vida, na liberdade e na dignidade, os princípios éticos para o gerenciamento de seus atos e políticas.
Descriminalizar o aborto é uma ação de direitos humanos exatamente por proteger as liberdades fundamentais das mulheres: direito à vida, em razão dos riscos envolvidos no aborto realizado em condições inseguras; direito à liberdade por reconhecer o caráter soberano das escolhas individuais em matéria de ética privada; direito à dignidade, pois somente uma vida com liberdade e segurança pode ser qualificada como digna. No entanto, se afirmar positivamente a descriminalização do aborto como uma medida de direitos humanos pode ainda soar estranho para aqueles que o entendem como uma ameaça religiosa ou como uma violação de direitos potenciais do feto, talvez seja mais simples demonstrar o quanto a criminalização do aborto é um ato de tratamento cruel e inumano do Estado contra as mulheres.
Um Estado que se sustenta na cultura dos direitos humanos não age cruelmente contra metade de sua população, caso se considere que o aborto é um tema exclusivamente das mulheres, o que seria tão absurdo quanto sustentar que o racismo diz respeito apenas às minorias raciais. A crueldade está em punir as mulheres pelos corpos que habitam, em proibi-las de ter acesso às medidas sanitárias que protegem suas necessidades de saúde, em ignorar suas preferências individuais sobre como conduzir suas vidas. Um ato é cruel quando impõe sofrimentos físicos ou mentais, com o objetivo de castigar por algum ato cometido. No caso da criminalização do aborto, o castigo é ao sexo, expresso no corpo da mulher pela gravidez não planejada, mas que deve ser alvo permanente do controle por valores patriarcais.
Mas é possível analisar ainda mais delicadamente o tema da criminalização do aborto como uma violação de um dos direitos mais básicos da vida digna – o direito a estar livre de tortura. O Supremo Tribunal Federal irá decidir em breve se as mulheres grávidas de fetos com anencefalia podem ou não antecipar o parto. A anencefalia é uma má-formação fetal incompatível com a sobrevida do feto fora do útero. A ação de anencefalia foi proposta em 2004 e é um pedido de proteção das mulheres ao Estado: elas querem o direito de abreviar o luto pelo feto que não sobreviverá ao parto. No entanto, as mulheres ainda são obrigadas a se manter grávidas, mesmo sabendo que em breve enterrarão o filho. Não tenho dúvidas de que o dever da gestação nestes casos deve ser classificado como um ato de tortura do Estado contra as mulheres.
É nesse marco político que deve ser entendida a recomendação do PNDH. A descriminalização do aborto não é um ato de afronta religiosa, mas de proteção às liberdades individuais. É um reconhecimento público de que o Estado brasileiro não age cruelmente face às necessidades de saúde das mulheres. É uma afirmação de que vida digna para as mulheres em idade reprodutiva significa conceder-lhes a soberania do direito de escolha. Não deve haver punição nem castigo para as mulheres que abortam. Assim como milhões de outras mulheres, as mulheres brasileiras querem viver em um país que reconhece a descriminalização do aborto como uma medida de proteção aos direitos fundamentais.
Correio Braziliense - 09/01/2010
Professora da UnB e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis)
A descriminalização do aborto é questão na agenda política da Secretaria de Direitos Humanos no Brasil. A recomendação do recém-lançado 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) é de que o Legislativo descriminalize o aborto modificando o Código Penal. Há muito tempo o Ministério da Saúde e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres defendem a tese de que a descriminalização do aborto é uma necessidade de saúde e de proteção aos direitos das mulheres. Sendo assim, o que há de novo nesse reconhecimento de que a descriminalização do aborto deve ser uma ação prioritária de direitos humanos pelo Estado brasileiro? Certamente a recomendação do PNDH não é um simples ato retórico, em particular pelos riscos políticos que o tema provoca em um ano de eleições.
Os direitos humanos fazem parte de um acordo entre as nações. Como resultado de um ato racional de escolha, optamos por viver em sociedades que os respeitam em detrimento dos regimes totalitários ou ditatoriais. Ações básicas de nossa vida social, como o direito de ir e vir e a liberdade de expressão ou de pensamento, traduzidos em atos coloquiais, como ter o direito de frequentar uma comunidade religiosa, estão sob a proteção da cultura dos direitos humanos. Uma nação que assume o marco dos direitos humanos como ponto de partida para o funcionamento de suas instituições básicas é aquela que reconhece nas liberdades fundamentais, em particular no direito à vida, na liberdade e na dignidade, os princípios éticos para o gerenciamento de seus atos e políticas.
Descriminalizar o aborto é uma ação de direitos humanos exatamente por proteger as liberdades fundamentais das mulheres: direito à vida, em razão dos riscos envolvidos no aborto realizado em condições inseguras; direito à liberdade por reconhecer o caráter soberano das escolhas individuais em matéria de ética privada; direito à dignidade, pois somente uma vida com liberdade e segurança pode ser qualificada como digna. No entanto, se afirmar positivamente a descriminalização do aborto como uma medida de direitos humanos pode ainda soar estranho para aqueles que o entendem como uma ameaça religiosa ou como uma violação de direitos potenciais do feto, talvez seja mais simples demonstrar o quanto a criminalização do aborto é um ato de tratamento cruel e inumano do Estado contra as mulheres.
Um Estado que se sustenta na cultura dos direitos humanos não age cruelmente contra metade de sua população, caso se considere que o aborto é um tema exclusivamente das mulheres, o que seria tão absurdo quanto sustentar que o racismo diz respeito apenas às minorias raciais. A crueldade está em punir as mulheres pelos corpos que habitam, em proibi-las de ter acesso às medidas sanitárias que protegem suas necessidades de saúde, em ignorar suas preferências individuais sobre como conduzir suas vidas. Um ato é cruel quando impõe sofrimentos físicos ou mentais, com o objetivo de castigar por algum ato cometido. No caso da criminalização do aborto, o castigo é ao sexo, expresso no corpo da mulher pela gravidez não planejada, mas que deve ser alvo permanente do controle por valores patriarcais.
Mas é possível analisar ainda mais delicadamente o tema da criminalização do aborto como uma violação de um dos direitos mais básicos da vida digna – o direito a estar livre de tortura. O Supremo Tribunal Federal irá decidir em breve se as mulheres grávidas de fetos com anencefalia podem ou não antecipar o parto. A anencefalia é uma má-formação fetal incompatível com a sobrevida do feto fora do útero. A ação de anencefalia foi proposta em 2004 e é um pedido de proteção das mulheres ao Estado: elas querem o direito de abreviar o luto pelo feto que não sobreviverá ao parto. No entanto, as mulheres ainda são obrigadas a se manter grávidas, mesmo sabendo que em breve enterrarão o filho. Não tenho dúvidas de que o dever da gestação nestes casos deve ser classificado como um ato de tortura do Estado contra as mulheres.
É nesse marco político que deve ser entendida a recomendação do PNDH. A descriminalização do aborto não é um ato de afronta religiosa, mas de proteção às liberdades individuais. É um reconhecimento público de que o Estado brasileiro não age cruelmente face às necessidades de saúde das mulheres. É uma afirmação de que vida digna para as mulheres em idade reprodutiva significa conceder-lhes a soberania do direito de escolha. Não deve haver punição nem castigo para as mulheres que abortam. Assim como milhões de outras mulheres, as mulheres brasileiras querem viver em um país que reconhece a descriminalização do aborto como uma medida de proteção aos direitos fundamentais.
2 comentários:
O artigo parte de uma falsa premissa: de que haveria concenso por tarde dos Direitos Humanos Universais de que o aborto deva ser descriminado, para que seja livremente praticado. Ora, é verdade que o Direitos Humanos consagra o direito de liberdades individuais: de se ir e vir, de se fazer ou deixar de se fazer algo lícito. Mas o articulista se "esqueceu" (?) de lembrar que ACIMA de direitos à liberdades individuais, há um direito muito MAIOR, sendo este sim um CONSENSO no Direitos Humanos Universal na sua PRIORIZAÇÃO: o DIREITO A VIDA. Assim, deva ser respeitado os direitos individuais, DESDE QUE a prática deste Direito NÃO SOBREPONHA o DIREITO A VIDA DE OUTROS INDIVÍDUOS. Como a prática do aborto, ainda que com RISCOS para algumas mãe, implica NESSESSARIAMENTE na CERTEZA da MORTE DE OUTRO INDIVÍDUO (o bebê, que a mãe carrega no ventre), não é lícito sua prática, sequer é lícito se evocar os Direitos Humanos individuais das mães, para que o aborto seja praticado. Entre um RISCO, ou mesmo DESCONFORTO daquela mãe que não quer ter o trabalho de esperar o nascimento de seu filho já gerado e a REALIZADE de que no ABORTO uma VIDA HUMANA INOCENTE CERTAMENTE é sacrificada, os Direitos Humanos consagra COMO PRIORITÁRIO a defesa do DIREITO HUMANO à VIDA por parte dO BEBÊ, que a mãe carrega no ventre. O articulista chega a falar em "crueldade" para com a mãe, esquecendo-se (?) de LEMBRAR, que crueldade maior está no sofrimento provocado aos bebes quando o aborto é praticado. O Desconforto de algumas mulheres, em não querer esperar o nascimento de seus filhos, não é nada, se comparado ao sofrimento terrível que o aborto provoca nos bebes no seu ventre. Basta que se conheça os métodos utilizados atualmente para se praticar o aborto (sucção, injeção de ácido, etc). Por NECESSARIAMENTE MATAR O BEBÊ, o aborto é um CRIME. Nunca foi e nunca será LEGAL. A prática do aborto, mesmo que não passível de punião em alguns casos (não punir NÃO É A MESMA COISA QUE SER LEGAL), como no caso de estupro ou quando a vida do bebê põe em risco A VIDA da mãe, continua uma prática ILEGAL, sendo CRIMINALIZADAS as pessoas que a priticam: os pais e os médicos. É invocada ainda por parte do articulista a necessidade de SEGURANÇA (?) para que se esse crime (o aborto) seja praticado sem riscos. Ora, então também seria lícito pleitear a necessidade de segurança para que TAMBÉM OUTROS CRIMES (estupro, sequestro, etc), sejam também praticados, para reduzir o risco para os criminosos que os praticam? Ou o certo não é lutar para que TODOS OS CRIMES, seja ele qual for (ABROTOS, SEQUESTROS, ESTUPROS, ETC), NUNCA MAIS SEJAM PRATICADOS? É evocado o "DIREITO"(?) DE SE MATAR BEBÊS COM ANENCEFALIA (AUSÊNCIA DE CÉREBROS). Há argumentos de que os bebês fatalmente morreriam logo após seu nascimento. Ora, se passarmos a considerar LÍCITO tirar a vida de uma pessoa doente antes do seu nascimento, então SERIA IGUALMENTE LÍCITO tirar a vida de qualquer pessoa igualmente doente, depois de nascido. Estaríamos ai consagrando o direito a barbárie, de se executar sumariamente todas as pessoas doentes, que levam vida vegetativa, que causam desconforto à sociedade. Tudo isso em função do Direito Individual (que o articulista tanto defende) dos seus parentes ou pais, que não querem ter o incômodo de cuidar delas. O Direito a pessoas já nascidas seriam SUPERIORES ao Direito à Vida de pessoas inocentes que sequer tiveram a oportunidade de nascerem? O correto é continuarmos a lutar para que TODA AS GESTAÇÕES SEJAM PLANEJADAS e caso algum ser vivo seja gerado, ele deve ter sua vida protegida até seu nascimento. A mulher que tiver alguma gesalçai não desejada, deve esperar o nascimento do seu filho, para, em seguida, entregá-lo a outras pessoas que irão lhe dar o amor que tais mães não puderem conceder. E que o aborto continue ilegal. Afinal, se no Brasil não é lícito MATAR um CRIMINOSO, não temos pena de morte, porque seria lícito MATAR um BEBÊ INOCENTE?
Concordo com o que escreveu o internauta Luiz Eduardo. Sou favorável a todos os direitos mencionados no documento do presidente Lula, EXCETO, o que trata do direito ao aborto, pois o DIREITO À VIDA é MAIOR que todos os outros. A mulher tem o direito de dispor sobre seu corpo, mas não sobre o do ser que está em seu ventre. Considero uma falácia essa história de que a mulher rica pode pagar por seus abortos, enquanto a pobre morre nas mãos de curiosas. Que a educação sexual seja disciplina obrigatória nas escolas, para que todos tenham acesso aos métodos anti-concepcionais. Parece-me que estão querendo seguir o caminho mais fácil, que é o da morte de seres indefesos. Sou mãe solteira e precisei pedir licença sem remuneração do meu emprego, quando engravidei e passei por dificuldades emocionais e financeiras, mas NUNCA me passou pela cabeça fazer um aborto. Sou radicalmente CONTRA o aborto em qualquer circunstância.
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