Roger Pinto Molina, ex-senador boliviano, asilado no Brasil, acusado de corrupção
Miguel do Rosário
Nossos colunistas
políticos são uma piada. Agora deram para endeusar um político boliviano
corrupto e um diplomata irresponsável
Nossos colunistas
políticos são uma piada. Agora deram para endeusar um político boliviano
corrupto e um diplomata irresponsável. Noblat, num texto de opinião publicado
hoje no Globo, empilha uma quantidade incomensurável de asneiras, alinhavadas
numa sintaxe deprimente, para comparar a situação do corrupto aos milhões de
judeus torturados e mortos em campos de extermínio nazista. Já na Folha,
Cantanhêde compara diplomata irresponsável, que botou em risco a vida do
asilado, à José Bustani, o corajoso membro do Itamaraty que enfrentou o império
ao afirmar, enquanto diretor da agência de armas químicas da ONU, a Opaq, que o
Iraque não possuía armas de destruição em massa. Enquanto Bustani, como bom
diplomata, tentou evitar uma guerra, Eduardo Saboia quase criou uma; o
irresponsável produziu justamente aquilo para o qual um diplomata é regiamente
pago para evitar: um conflito diplomático.
Vale a pena ler o
texto abaixo, onde o internauta Marcelo Zero explica quem é Roger Pinto Molina.
Alguns
Esclarecimentos Sobre o Caso do Senador Róger Pinto Molina
Marcelo Zero
1 – O senador Róger
Pinto Molina, latifundiário dono de milhares de hectares de terras, é um
político da direita boliviana que fez a sua carreira no Departamento de Pando,
que fica localizado na região da chamada Media Luna (meia lua) boliviana. Essa
região do Leste da Bolívia é dominada pelas planícies férteis e pelas jazidas
de hidrocarbonetos, e constitui a parte mais próspera e rica daquele país. Já a
região dos Andes é, hoje em dia, menos dinâmica e mais pobre.
2 – Essa região é
também a mais etnicamente miscigenada, em contraste com a região andina, na
qual predomina a população de índios aimarás e quéchuas. Muitos habitantes
brancos da Media Luna chamam a população indígena dos Andes com o nome
pejorativo de "kollas". Há, na Bolívia, uma divisão não apenas
política entre as duas regiões (a Media Luna e a Andina), mas também racial.
3 – É justamente
nessa região que está localizada, com maior intensidade, a oposição política ao
governo Evo Morales, que tem profundas raízes na região andina e na população
indígena, majoritária no país (64%).
4 – Com a ascensão
de Evo ao poder, os prefeitos dos departamentos (equivalentes a governadores)
dessa região da Media Luna acabaram por instituir um movimento autonomista, que
alguns chegaram a definir como eminentemente separatista. A pressão sobre o
governo Evo e a iminência de um processo de guerra civil levou à convocação de
um referendo revogatório, em 2008.
5 – O mandato de
Evo Morales foi, no entanto, confirmado com 67% dos votos válidos.
6 – Esse resultado
levou os governadores da oposição a iniciar uma série de protestos e a
intensificar o movimento autonomista. Os apoiadores de Evo reagiram, exigindo a
obediência à Constituição e o respeito às leis federais.
7 – Na região de
Pando, o prefeito Leopoldo Fernandez, padrinho político do Senador Róger Pinto,
formou milícias estatais armadas para ajudar a promover a "autonomia"
do seu departamento. Em 11 de setembro de 2008, essas milícias enfrentaram uma
marcha de camponeses fiéis a Evo Morales, na localidade de Porvenir. Houve uma
chacina de indígenas, que deixou um saldo de 19 mortos e dezenas de
desaparecidos.
8 – Essa chacina,
conhecida como o Massacre de Porvenir ou o Massacre de Pando, foi investigada
pela Unasul, que produziu, em novembro de 2008, um relatório classificando o
massacre de "crime contra a humanidade", conforme a definição da
Organização das Nações Unidas.
9 – Pois bem, um
dos crimes dos qual o Senador Róger Pinto é acusado tange justamente à sua
provável participação nesse massacre. Róger Pinto, que havia sido prefeito da
localidade de Porvenir, era o braço direito de Leopoldo Fernandez, acusado pela
Justiça boliviana de ser o articulador do massacre.
10 – Além disso, o
senador Pinto tem uma vintena de processos na justiça comum da Bolívia, com
acusações que vão desde corrupção e malversação de recursos públicos até
desacato e difamação. Ele já tem uma condenação. Com efeito, ele foi condenado,
em 25 de junho de 2013, pelo Tribunal Primero de Sentencia do Departamento de Pando
a um ano de reclusão por ter desviado recursos públicos da Zona Franca de
Cobija para a Universidad Amazónica de Pando, ente de direito privado. O desvio
foi de quase 12 milhões de pesos bolivianos, algo em torno de US$ 1,6 milhão.
11 – Portanto, pela
lei brasileira o senador Pinto já seria considerado um político "ficha –
suja".
12 – Observe – se
que essa primeira condenação deu – se após um ano do senador Pinto estar
refugiado na embaixada. Assim, na época do início de seu asilo diplomático não
havia nenhum pedido de prisão contra ele, embora o senador estivesse proibido
de deixar o país.
13 – A iniciativa
de conceder asilo diplomático ao senador boliviano partiu do embaixador do
Brasil em La Paz na época, Sr. Marcel Biato. Na realidade, a Chefe de Estado
não foi consultada previamente sobre essa hipótese, que, uma vez concretizada,
é de reversão muito difícil. Por tal razão, ele foi duramente criticado pelo
governo boliviano, o qual alega que o embaixador não levou em consideração o
fato do senador Róger Pinto ter vários processos contra ele na justiça comum. O
governo boliviano alega que a concessão de asilo ao senador teria violado a
Convenção sobre Asilo Diplomático de 1954, celebrada no âmbito da Organização
dos Estados Americanos.
14 – Com efeito, o
artigo III da citada Convenção tem a seguinte redação:
Artigo III
Não é lícito
conceder asilo a pessoas que, na ocasião em que o solicitem, tenham sido
acusadas de delitos comuns, processadas ou condenadas por esse motivo pêlos
tribunais ordinários competentes, sem haverem cumprido as penas respectivas;
nem a desertores das forças de terra, mar e ar, salvo quando os fatos que
motivarem o pedido de asilo, seja qual for o caso, apresentem claramente
caráter político. As pessoas mencionadas no parágrafo precedente, que se
refugiarem em lugar apropriado para servir de asilo, deverão ser convidados a
retirar – se, ou, conforme o caso, ser entregues ao governo local, o qual não
poderá julgá – las por delitos políticos anteriores ao momento da
entrega.
15 – Pela mesma
razão, o governo boliviano vinha se negando a fornecer o salvo conduto para que
o senador fosse retirado em segurança da Bolívia.
16 – Saliente – se
que o advogado do senador boliviano no Brasil, Sr. Fernando Tibúrcio Peña
entrou com um pedido de Habeas Corpus Extraterritorial em benefício de seu
cliente, no STF brasileiro. Nesse pedido, o advogado em questão solicitava,
entre outras demandas:
a) determinar que a
autoridade dita coatora seja compelida a colocar a disposição do paciente no prazo
de trinta dias, contado da intimação do deferimento da ordem de habeas corpus e
independentemente da concessão de salvo conduto e das garantias de praxe por
parte das autoridades bolivianas, um veículo do Corpo Diplomático acreditado
junto ao Governo da Bolívia, para que o paciente possa deixar o território
boliviano e ver restabelecida sua liberdade de locomoção;
17 – Conforme o
parecer da AGU sobre o assunto, "os pedidos formulados pelo impetrante não
são juridicamente possíveis, isto é, se o governo brasileiro propiciar ao
paciente o veículo requerido para que possa sair da Bolívia, estaríamos
violando a ordem internacional, descumprindo decisões judiciais de tribunais
bolivianos, que já decidiram que o paciente não pode deixar o país."
Ademais, o parecer da AGU também estabelecia que "uma decisão que
determine a saída do senador Roger Pinto Molina da Embaixada sem a concessão de
salvo – conduto e de garantias de segurança pelas autoridades bolivianas, por
sua vez, impossibilitaria o Brasil de conceder qualquer forma de proteção
jurídica ao senador, tornando sem qualquer efeito prático o asilo diplomático
concedido, que desapareceria ipso facto",
18 – Além desse
parecer da AGU, havia também outros dois pareceres, do Itamaraty e da
Procuradoria Geral da República, que iam na mesma direção.
19 – Em outras
palavras, a posição do governo brasileiro de não retirar o senador da Bolívia
sem um salvo conduto e as garantias de praxe era inteiramente secundada e
apoiada pela AGU e pela Procuradoria Geral da República.
20 – Mas não se
tratava apenas, evidentemente, de mera questão jurídica. Essa questão era,
sobretudo, uma questão de bom senso. O Estado que concede o asilo, acertada ou
erradamente, isso não vem ao caso, torna – se, ipso facto, responsável pela
segurança do asilado. Se o Estado em cujo território está o asilado se nega a
conceder o salvo conduto, qualquer tentativa de retirá – lo desse território
torna – se uma aventura insana, cujas consequências recairão exclusivamente
sobre o Estado que concedeu o asilo. Não se trata de uma responsabilidade
pessoal do embaixador em exercício, mas de uma responsabilidade de Estado, que
recai pesadamente no Chefe de Estado e sobre toda a Nação. Em caso de violação
da integridade do asilado, o Estado concedente é que é acionado em tribunais
internacionais.
21 – Por
conseguinte, quando o encarregado de negócios brasileiro em La Paz diz que
assume a responsabilidade pela ação de retirar o senador da Bolívia, sem salvo
conduto e as garantias devidas, ele está assumindo algo que jamais poderia ter
assumido de modo pessoal.
22 – No caso
específico da ação de retirar o senador da Bolívia, tratou – se, de fato, de
uma aventura temerária, para dizer o mínimo.
23 – Para chegar ao
Brasil, o senador percorreu, em carro diplomático brasileiro, durante longas 22
horas, 1.600 quilômetros de perigosas estradas bolivianas. Nessa autêntica Odisseia,
poderia ter acontecido qualquer coisa. Por exemplo, o carro poderia ter sido
parado em qualquer dos pontos de controle e o senador poderia ter sido preso
por tentativa de fuga. Quem seria o culpado? O embaixador Sabóia? Não, o
culpado teria sido o Estado brasileiro, que seria acusado de entregar o senador
boliviano às autoridades que o perseguiam. O carro poderia também ter sido
atacado por partidários de Evo Morales, causando até a morte do senador. Nesse
caso extremo, a morte do senador seria, novamente, de responsabilidade única do
Estado concedente do asilo, isto é, do Brasil.
24 – Essa
responsabilidade pela vida e pela segurança do asilado é intransferível e
irrevogável.
25 – Evidentemente,
caso o governo boliviano tivesse concedido o salvo conduto, a coisa teria
mudado inteiramente de figura, pois, nessa hipótese, o Estado boliviano
assumiria a responsabilidade de assegurar a segurança do asilado até a sua
entrada em território brasileiro.
26 – Mas além de se
ter colocado em risco, de forma irresponsável, a segurança e a vida do asilado,
há de se lamentar também, nesse caso, o fato gravíssimo da Presidenta da
República só ter tomado conhecimento do acontecido, após o asilado já estar em
território nacional, um dia inteiro após iniciada a aventura rocambolesca.
27 – Houve, assim,
é óbvio, uma quebra de hierarquia, de ruptura da cadeia de comando e de
confiança absolutamente inaceitáveis. Esses fatos se agravam quando levamos em
consideração que qualquer embaixada possui mecanismos para criptografar
mensagens sensíveis e urgentes.
28 – As alegações
do encarregado de negócios de que a situação do asilado na embaixada estava se
deteriorando não justificam colocar a sua segurança e vida em risco. Esses
problemas poderiam ter sido resolvidos ou contornados por outros meios. É
comum, nesses casos, trazer assistência médica especializada (que com certeza
não lhe teria sido negada). Considere – se que não seria do interesse do
governo boliviano e, muito menos, do governo brasileiro, que o senador Pinto cometesse
suicídio dentro da embaixada.
29 – Assim sendo,
não houve heroísmo nesse lamentável imbróglio. Houve, isto sim, uma clara
irresponsabilidade, que comprometeu o Estado brasileiro e a vida e a segurança
de um asilado, além da soberania da Bolívia.
30 – É provável que
o justiça boliviana solicite, agora, a extradição do senador Pinto, com base
nas duas dezenas de processos que há contra ele na Bolívia.
31 – O Brasil, como
sempre, pautará a sua conduta no caso pelos princípios inscritos nas convenções
internacionais e pelos cânones do direito internacional público, colocando a
vida como bem maior a ser protegido.
Do blog O Cafezinho
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