segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Visão de Barnabé

Foto: Dayvison Nunes/JC Imagem

Por Fernando Castilho, do JC Negócios.

O que leva um prefeito, eleito no primeiro turno, de uma das cinco mais importantes capitais do Brasil com orçamento de R$ 3,5 bilhões, por ano, e influência direta sobre 3,8 milhões de pessoas, na Região Metropolitana a se preocupar com o quanto vai receber de salário no fim do mês, a ponto de se valer de uma "gambiarra" legal para que pudesse manter o valor do que era depositado na sua conta bancária quando era servidor do Tribunal de Contas do Estado?

A visão do Barnabé! Barnabé, para quem nunca ouviu a expressão, é um adjetivo criado na década de 60 em Pernambuco para definir o servidor público a partir do estereótipo de preocupação com seus vencimentos. É aquele sujeito que, invariavelmente, se preocupa com quinquênio, gratificação e quanto irá receber quando se aposentar.

Ele tem absoluta certeza de que o Estado existe para servir a ele e, seja qual for o governador, e seja qual for a política de pessoal, sempre se julga um injustiçado. A sua principal preocupação é quanto vai receber no fim do mês. Calma, gente, isso é um estereótipo! Servidor público é outra coisa.

Isso não quer dizer que Geraldo Júlio seja um típico barnabé. Afinal, ele é servidor concursado do Tribunal de Contas do Estado, fez vários cursos de especialização e como vimos na declaração de Imposto de Renda apresentada ao TRE no ano passado, acumulou patrimônio e tem poupança.

Mas, seu comportamento em relação ao salário, e como se valeu de uma legislação “meia-boca”, criada para atender a situação de outro colega de TCE, Milton Coelho, que estava no cargo de vice-prefeito, revela o cacoete burocrático e preocupação com o que pode colocar na Caderneta de Poupança no fim do mês. Ou, como se diz no estudo da Biologia, é da sua natureza.

Façamos a pergunta ao contrário: Alguém já viu Eduardo Campos se preocupar com salário do cargo onde ele esteve? Alguém já ouviu Tasso Jereissati reclamar que o salário de governador ou de senador era pequeno e que, como empresário poderia receber 300 vezes mais? Ou, para ir mais longe: alguém já pensou por que diabo Antônio Ermírio de Moraes entendeu de fazer política e se candidatara a receber o salário de governador São Paulo?

Nenhum dos três tem, tinha ou teve essa preocupação. Pelo menos, não em palavras e atos. Porque aprenderam que quem faz política pensando grande não pode pensar em quanto vai ganhar. Até porque, quem faz política pensando em quanto vai ganhar quase sempre se bandeia para situações, digamos... nada republicanas. Esse é outro tipo de gente.

Claro, a preocupação de Geraldo Júlio não é a mesma dos proto-políticos. Não está pensando em se dar bem e ninguém duvida de sua honestidade e seriedade com a coisa pública. Sua história de técnico atesta isso. E não é disso que se trata aqui.

O que se pergunta é: Por que cargas d'água, em algum dia de dezembro de 2012, ele sentou com alguém para ver quanto seriam seus vencimentos de prefeito? E por que, como viu que eles seriam menores que os de um auditor do TCE aceitou se beneficiar da mesma lei que Milton Coelho ajudou a escrever para não ter prejuízo monetário?

Podia se beneficiar como se beneficia até agora? Podia! Mas, não devia. Não depois de ganhar uma eleição da forma que ganhou e da expectativa que a cidade tem para com ele. O tamanho da cadeira e a importância do cargo a nível regional e até nacional não lhe permitiam isso. Se ele se elegeu para ser prefeito de uma cidade como o Recife, tinha e tem a obrigação de dar o exemplo: receber o que município paga ao prefeito e pronto.

É menor? É! Mas, desde quando Eduardo Campos o escalou para ser candidato ele sabia o que iria receber de salário. Se esse é um assunto que lhe interessava tanto, poderia ter dito: Chefe, não quero concorrer porque vou ter prejuízo financeiro. Vou perder qualidade de vida e padrão de consumo e por isso vou ficar por aqui. Obrigado. E iria cuidar de sua vidinha no TCE.

Ruim foi pensar nisso depois de uma campanha como a que fez e aceitar um caminho esdrúxulo para não ter prejuízo financeiro. Eleito, essa seria a última coisa com o que deveria se preocupar. Até porque sabe que hoje está recebendo mais do que o município oficialmente lhe paga.

Por que ele recebe mais? Porque no fim do ano a Prefeitura do Recife vai devolver ao TCE o que o órgão lhe pagou e esse valor é maior do que os proventos do prefeito. De forma prática essa gambiarra criada para beneficiar Milton Coelho aumenta o salário, sim.

Isso é bem diferente de, na secretaria de Desenvolvimento Econômico, optar pelo salário do TCE em lugar de secretário. Na verdade, esse também não é um caminho correto. Na SDEC, por exemplo, receberia, na prática, mais que outro secretário recrutado na iniciativa privada. Mas, pode-se dizer que o dinheiro é o mesmo, o Estado de Pernambuco. Sai de um rubrica e entra noutra. Mas, a coisa complica quando o dinheiro tem que ir de um poder para outro como no caso da prefeitura.

Para ser coerente e mostrar que virou político categoria Premium, Geraldo Júlio tinha que dar o exemplo. Receber o salário do prefeito, a verba de representação e se isso ainda não cobrisse as suas despesas poderia pedir ao presidente do partido, que é Eduardo Campos, para complementar com verba do fundo partidário. Até porque, ele está ali com a missão de fazer uma gestão que deve ser referência do PSB nacionalmente.

Mas, ele fez o caminho inverso. Aceitou um complemento sabendo que em algum momento seu secretário de finanças vai ter que assinar um cheque devolvendo ao TCE o que este lhe pagou e que isso é menor que o vencimento do prefeito autorizado pela Câmara Municipal. Foi isso que pegou mal.

Como dizia Doutor Arraes: Política é opção. O sujeito tem que ter em mente que em algum momento o caixa vai estar baixo mesmo e que, dependendo do caso, o partido paga sua feira. Não pode ficar cuidando disso e muito menos aceitando biombo legal para não perder salário e deixar de depositar um pouquinho no cofrinho e na Caderneta de Poupança.


Não, se tiver a perspectiva de dirigir uma capital depois de uma tempestade de votos. Não, se quiser fazer parte do primeiro time. Com todo respeito, não dá para pensar como Barnabé. Até porque cabe a pergunta: Geraldo Júlio não sabia que o pagamento pelo seu trabalho era o que a Câmara fixou? Mas, e daí? Não queria ser prefeito?

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