A medicina
brasileira não são aqueles manifestantes, não são os CRMs que estimularam as
agressões vergonhosas contra cubanos. Por Luis Nassif
por Luis Nassif —
publicado 30/08/2013 13:16
Prefeito de Vargem
Grande do Sul, tio de minha mãe, o médico Bié Mesquita tinha um consultório com
duas salas. Numa, os clientes que podiam pagar pela consulta; na outra, os que
não podiam. Revezava o dia inteiro atendendo a ambos. Em frente o consultório,
montou uma farmácia, mas ninguém sabia que era dele. Os pacientes necessitados
saíam do consultório com a receita e a recomendação para aviar na farmácia em
frente. Lá, eram informados de que não precisariam pagar nada.
Em Poços de Caldas,
o pediatra Martinho de Freitas Mourão atendia de manhã os necessitados, de
tarde os que podiam pagar.
Não havia
equipamentos sofisticados. Eram tempos longínquos, no interior, com acesso a no
máximo uma máquina de raio X. Tinham o estetoscópio, a paleta para colocar sob
a língua do paciente e o conhecimento acumulado pelo curso e pela prática.
Salvavam vidas.
***
Não são exemplos
isolados. Na medicina nacional, grandes nomes, médicos bem sucedidos,
cirurgiões consagrados passaram a dedicar parte de sua atividade à saúde
pública ou atendimento em hospitais públicos. É assim com Adib Jatene, Miguel
Srougi e tantos outros. A medicina brasileira forneceu alguns dos maiores
homens púbicos do país, sanitaristas como José Gomes Temporão, David
Capistrano, José Veccina Neto. Ajudou na criação de um modelo federativo
através da obra monumental do SUS (Sistema Único de Saúde).
***
Mesmo os Conselhos
de Medicina têm um histórico digno. Não fossem os médicos voluntários do
Conselho Regional de Medicina atenderem a um pedido e se deslocarem para o
Instituto Médico Legal (IML), em maio de 2006, o número de assassinatos da
Polícia Militar teria dobrado.
***
Por todo esse
histórico, é chocante a maneira como Conselhos de Medicina e médicos em geral
reagiram à vinda dos médicos cubanos e, antes disso, nas manifestações de rua,
portando cartazes agressivos contra políticos, como se fossem os mais vulgares
dos trolls de Internet.
Conseguiram jogar a
imagem da profissão na lata de lixo, apresentando-se para a esquerda como
elitistas insensíveis e para a direita como corporativistas rançosos.
***
A própria velha
mídia, que estimulou inicialmente os ataques aos cubanos, levantando os
argumentos mais inverossímeis para o que era uma medida de saúde pública,
recuou, deixando os movimentos médicos com a broxa na mão, expondo a imagem do
médico brasileiro a críticas de todos os quadrantes.
***
Raras vezes assisti
a um suicídio de imagem tão amplo e irrestrito.
Agora, é hora de
defender a categoria dessa malta que a representou nas manifestações. A
medicina brasileira não são aqueles manifestantes, não são os CRMs que
estimularam as agressões vergonhosas contra cubanos.
A medicina
brasileira é Bié e é Martinho, é Jatene e é Zerbini, são os sanitaristas que
desenharam um novo sistema de saúde, é a estrutura das santas casas de
misericórdia, que seguraram a peteca em séculos de descaso público com a saúde,
são os médicos do serviço público que cumprem com garra sua missão.
Espera-se que os
verdadeiros médicos tenham a coragem de vir a público para consertar o estrago
que esses vândalos cometeram contra a imagem da categoria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário