Antropóloga detecta
aumento de sites neonazistas brasileiros. E o índice de arquivos baixados com
estas características cresce a uma taxa média de 6% ao ano
por Márcio Sampaio
de Castro
Durante a última
grande manifestação organizada pelo Movimento Passe Livre (MPL), para comemorar
a revogação do aumento das tarifas do transporte coletivo em São Paulo,
integrantes de partidos políticos e movimentos sociais foram atacados por
jovens trajando toucas ninjas, roupas pretas e coturnos. Enquanto agrediam seus
alvos, a multidão ao redor aplaudia e gritava “fora partidos, fora partidos”.
Para a antropóloga Adriana Dias, que pesquisa há mais de 10 anos a atuação dos
movimentos neonazistas no Brasil e já foi diversas vezes ameaçada de morte por
seus integrantes, não resta a menor dúvida sobre quem eram esses jovens
violentos e quais eram suas motivações.
A partir da análise
de blogs, sites e fóruns de relacionamento, muitos deles com domínio no
exterior, a pesquisadora documentou, ao longo de sete anos, que mais de 150 mil
downloads de arquivos de teor nazista, superiores a 100 megabites cada, foram
baixados por um número equivalente de computadores com endereços eletrônicos
localizados no Brasil no mesmo período. De 2009 para cá, o índice de arquivos
baixados com estas características tem crescido a uma taxa média de 6% ao ano e
até postagens de crianças já foram detectadas por ela.
Para Adriana, um
misto de despolitização da sociedade no período pós-ditadura e a transformação
da política em escândalo por boa parte da mídia são o ovo da serpente para a
expansão de manifestações crescentes de caráter nazifascista na sociedade
brasileira. A omissão sistemática das autoridades às agressões perpetradas
contra homossexuais, negros, judeus, nordestinos, moradores de rua e imigrantes
bolivianos nas ruas de grandes centros urbanos completa o ciclo de terror, que
silenciosamente avança junto a um número nada desprezível de jovens
brasileiros.
Carta Capital: Nas
manifestações populares das últimas semanas em São Paulo, um momento que chamou
a atenção foi quando jovens, aparentemente ligados a esses movimentos, atacaram
militantes partidários e militantes do movimento negro, destruindo suas
bandeiras. Enquanto isso ocorria, a multidão à sua volta gritava “fora partido,
fora partido”. Como explicar esses dois fenômenos simultâneos?
Adriana Dias: Desde
a ditadura militar nós avançamos por um processo de despolitização espantoso em
todas as camadas sociais. Os cursos de sociologia e filosofia foram retirados
do currículo escolar. Em segundo lugar, há no Brasil uma proliferação da
teologia da prosperidade. Na Alemanha, ela foi fundamental para a ascensão do
nazismo. A ideia aqui é que não são as ações do governo que auxiliam nessa
prosperidade. Por exemplo, o indivíduo consegue comprar uma casa pelo programa
Minha Casa, Minha Vida e vai a um culto religioso e acredita que conseguiu por
sua própria conta. Esse afastamento gradual do Brasil de um estado laico torna
tudo mais difícil. Tanto na Igreja Católica, em sua linha carismática, quanto
em certas igrejas protestantes. Por fim, a política de escândalos, patrocinada
pela mídia, criou uma personalização da política como um eterno escândalo. Eu
chamo isso de um carnaval às avessas. Se no carnaval o povo vai pras ruas para
expor sua alegria, nessas manifestações as pessoas têm ido às ruas para expor
suas insatisfações, fazendo reivindicações que não são mensuráveis e de um
fundo conservador muito forte.
CC: Quais as
alternativas para isso?
AD: A alternativa é
a volta para o diálogo com os movimentos sociais. Nas elites políticas, em um
sentido mais geral, há um movimento totalitário, dentro do que analisa Hannah
Arendt. Particularmente na direita brasileira. Em São Paulo, por exemplo,
muitas práticas do Estado são totalitárias. Veja a atuação da polícia. Já em um
campo mais específico, entram esses movimentos neonazistas e suas ações, como
essa verificada nas manifestações.
CC: Como esses
jovens neonazistas são cooptados?
AD: Há um
proselitismo muito forte no Brasil. Os grandes líderes têm entre 35 e 50 anos e
normalmente são pequenos empresários e profissionais liberais. Estes não vão
para as ruas. Em um segundo grupo, temos os mais jovens, que vão para as ruas e
não se importam por que sabem que, se forem presos, serão soltos. E temos
também as mulheres neonazistas, que são vistas somente como reprodutoras,
dentro de um ideal paternalista e machista. Os grandes líderes atuam dentro de
universidades, por exemplo, distribuindo material de divulgação do movimento e,
principalmente, nas redes sociais.
CC: Como surgiu a
ideia de pesquisar o movimento neonazista no Brasil?
Adriana Dias: A
partir de uma disciplina que cursei na Unicamp, em 2002, na graduação, onde se
discutia a negação do holocausto, tive a ideia de fazer um trabalho para
conhecer um pouco os grupos neonazistas brasileiros. Como sou programadora,
criei uma aranha de busca e percebi que estava entrando em um mundo muito
grande. No início, eram apenas 7500 sites, em 2009 já eram mais de 20 mil.
Existem também os blogs, que cresceram 450% nesse período, e as redes sociais.
CC: Quais as
características desses sites?
AD: São compostos
por páginas profundas, com diretórios dentro de diretórios. Nos diretórios mais
profundos encontramos incentivos ao genocídio e assassinatos. Muitos deles são
de origem norte-americana. Fazem apologia ao número 88, já que o H é a oitava
letra do alfabeto e duplicado faz referência ao Heil Hitler. Uma frase muito
comum de ser encontrada é o “nós devemos assegurar um futuro para as crianças
brancas”, o slogan de 14 palavras inspirado em uma passagem do Mein Kampf,
livro escrito por Hitler. Da combinação desses dois números, temos o 14/88, que
é uma saudação. Muitos membros nos fóruns de internet se utilizam desses
números como nicknames associados a nomes nórdicos. Coisas como Odin88 ou Thor
14/88.
CC: Por que esta
forte influência dos sites norte-americanos?
AD: Eu fiz a minha
pesquisa em inglês, espanhol e português. Os grandes pensadores do movimento
estão nos EUA e um dos principais deles foi o David Lane, que morreu na prisão
em 2007. O movimento surge muito forte lá por que a questão racial é muito dura
entre eles. Esse lado mais duro permite a expansão desses pensamentos, ao lado
do conceito de liberdade de expressão. Nos Estados Unidos, esses sites são
legais. É um discurso público e consequentemente é mais fácil de reproduzi-lo.
Só que para mim, a liberdade de expressão se interrompe quando chega à
dignidade humana. Representar outro ser humano como animal ou como um demônio
está muito além da liberdade de expressão.
CC: A ligação com
movimentos estrangeiros tem crescido?
AD: Já houve casos
de grupos brasileiros serem rejeitados por serem sul-americanos, mas nos
últimos tempos esta visão tem mudado e o ideário da raça branca tem aproximado
esses grupos ao redor do mundo.
CC: O jornalista
espanhol Antonio Salas, autor de O Diário de Um Skinhead, se infiltrou em
grupos neonazistas. A senhora chegou perto de ter alguma experiência deste
tipo?
AD: Antonio Salas
produziu um trabalho heroico, se fazendo passar por um neonazista para conhecer
estes grupos a fundo. Atualmente, ele tem que se manter oculto, pois é ameaçado
de morte em 16 países. Eu pesquiso os sites e fóruns. Conheço perto de 500
desses fóruns e muitos funcionam como páginas de relacionamentos, mas os mais
representativos chegam a um número de 12. Eles se dividem por temáticas, como o
Fórum Verde, sobre ecologia, o Solar General, sobre religiosidade e o Movimento
Cristão Identitário, que é protestante radical de direita e que tem a
plataforma de criar um estado branco dentro dos EUA.
CC: Em sua
pesquisa, o que mais chamou a atenção?
AD: A quantidade de
ódio, a idolatria ao ódio. A ideia de achar que ele estrutura a personalidade.
Eu, que tenho uma formação humanista, posso dizer que fiquei chocada com isso.
Outro aspecto é a crença na noção de sangue que ultrapassaria a
substancialidade. Ou seja, o sangue não seria material, estaria na alma. Isto
explica por que entre eles a nação, tal qual nós a concebemos, não existe. O
que existe é a nação racial. Por isto, é preciso destruir os movimentos
populares, que estão associados a outra concepção de nação. Por fim, me chamou
a atenção a facilidade para encontrar inimigos. Eu, como antropóloga, não
acredito em raças, somente na raça humana, mas para eles, o casamento chamado
de inter-racial, por exemplo, é considerado um genocídio.
CC: E no Brasil?
AD: No Brasil,
existe o discurso separatista, que traz elementos complicadores.
CC: Como assim?
AD: Cada um quer
uma coisa. Veja o caso do (Ricardo) Barollo, que mandou matar o (Bernardo)
Dayrell, em 2009, no Paraná. Eles estavam lutando pela liderança do movimento
no país, mas o que cada grupo defende a seu modo é a separação de São Paulo ou
dos estados do sul do restante do Brasil. Nessas explosões de ódio, que
mencionei há pouco, é exigido que eles ataquem os inimigos. Aliás, um dos
critérios para aceitar um novo membro é que ele cometa uma violência contra um
inimigo. Os grupos neonazistas têm matado e agredido gays em São Paulo, na
região da rua Augusta, e ninguém fala nada. A polícia não faz nada. Já
conversei com policiais que não consideram crime um indivíduo portar uma
suástica bordada na blusa.
CC: Somente os
gays?
AD: Não. Atacam
bolivianos, negros, gays, nordestinos, judeus e depois relatam nos fóruns. Eles
são organizados. Possuem inclusive estratégias de defesa. Muitos, quando são
pegos, alegam loucura. São estratégias previamente montadas e as autoridades,
por sua vez, não dão importância.
CC: Isto seria em
função da cultura brasileira de deixar as coisas acontecerem para depois tomar
uma atitude?
AD: Não, não acho.
Acontece que no Brasil as minorias não têm importância e é por isso que ninguém
faz nada.
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