Revista que vem
capitaneando as denúncias sobre o esquema de corrupção na compra de trens da
Siemens e da Alstom publica documentos revelando que tanto o governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin, como seu antecessor, José Serra, foram alertados sobre
as irregularidades; Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado
dispararam alertas sobre as fraudes; propinas também atingem o setor elétrico
paulista
247 - Reportagem da
revista Istoé que acaba de ser publicada traz documentos apontando que tanto o
governador Geraldo Alckmin como seu antecessor José Serra foram alertados sobre
todas as irregularidades no metrô de São Paulo. Leia abaixo:
E eles ainda dizem
que não sabiam de nada
Documentos do
tribunal de contas e do ministro público revelam que há cinco anos os tucanos
paulistas foram alertados sobre as irregularidades no metrô e trens de São
Paulo
Alan Rodrigues,
Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
Desde a eclosão do
escândalo de pagamento de propina e superfaturamento nos contratos da área de
transporte sobre trilhos que atravessou os governos de Mário Covas, José Serra
e Geraldo Alckmin, os tucanos paulistas têm assumido o comportamento de outra
ave, o avestruz. Reza a crença popular que, ao menor sinal de perigo, o
avestruz enterra a cabeça no chão para não enxergar a realidade. Não foi outra
a atitude do tucanato paulista nos últimos dias. Como se estivessem alheios aos
acontecimentos, líderes do PSDB paulista alegaram que nada sabiam, nada viram –
e muito menos participaram. Documentos agora revelados por ISTOÉ, porém, provam
que desde 2008 tanto o Ministério Público como o Tribunal de Contas vem
alertando os seguidos governos do PSDB sobre as falcatruas no Metrô e nos
trens. Apesar dos alertas, o propinoduto foi construído livremente nos últimos
20 anos. Além dos documentos agora divulgados, investigações anteriores já
resultaram no indiciamento pela Polícia Federal de 11 pessoas ligadas ao
partido. No entanto, questionado sobre o cartel montado por multinacionais,
como Siemens e Alstom, para vencer licitações, o governador Geraldo Alckmin
jurou desconhecer o assunto. “Se confirmado o cartel, o Estado é vítima”,
esquivou-se. Na mesma toada, o seu antecessor, José Serra, declarou: “Não
tomamos em nenhum momento conhecimento de qualquer cartel feito por
fornecedores e muito menos se deu aval a qualquer coisa nesse sentido”. As
afirmações agridem os fatos. Os documentos obtidos por ISTOÉ comprovam que os
tucanos de São Paulo, além de verem dezenas de companheiros investigados e
indiciados, receberam no mínimo três alertas contundentes sobre a cartelização
e o esquema de pagamento de propina no Metrô. Os avisos, que vão de agosto de
2008 a setembro de 2010, partiram do Ministério Público estadual e do Tribunal
de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP). Nos três casos, os documentos foram
encaminhados aos presidentes das estatais, nomeados pelo governador, e
publicados no Diário Oficial.
Nos três avisos de
irregularidades aparecem fortes indícios de formação de cartel e direcionamento
de certames pelas companhias de transporte sobre trilhos para vencer e
superfaturar licitações do Metrô paulista e da Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos (CPTM). O primeiro alerta sobre o esquema foi dado pelo
Ministério Público de São Paulo, em um procedimento de agosto de 2008, durante
gestão de José Serra. Ao analisar um acordo firmado entre o Metrô e a CMW
Equipamentos S.A., o MP comunicou: “A prolongação do contrato por 12 anos
frustrou o objetivo da licitação, motivo pelo qual os aditamentos estariam
viciados”. Na ocasião, a CMW Equipamentos foi incorporada pela gigante francesa
Alstom, uma das principais investigadas nesse escândalo. Ainda no documento do
MP, de 26 páginas, aparecem irregularidades também em uma série de contratos
firmados pelo governo paulista com outras empresas desse segmento.
Em fevereiro de
2009, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo emitiu ao governo paulista o
segundo aviso de desvios e direcionamentos em contratos no setor. As
irregularidades foram identificadas, desta vez, na estatal CPTM. Ao julgar um
recurso, o conselheiro do TCE Antonio Roque Citadini concluiu que a estatal
adotou uma conduta indevida ao querer usar uma licitação para fornecimento de
30 trens com o consórcio Cofesbra, celebrada em 1995, durante gestão de Mário
Covas, para comprar mais de uma década depois outros 12 novos trens. A manobra
foi identificada como uma forma de fugir da abertura de uma nova concorrência.
“O julgamento de irregularidade recorrido fundamentou-se na inobservância da
Lei de Licitações e, também, na infringência aos princípios da economicidade e
da eficiência”, diz o relatório. Citadini ainda questiona os valores pagos
pelos trens, uma “majoração de 17,35%”. A crescente elevação do número de
passageiros transportados deveria implicar, diz ele, estudos por parte da CPTM
com vistas à realização de um novo certame licitatório. “Tempo parece não lhe
ter faltado, pois se passaram 11 anos da compra inicial”, relatou Citadini. À
ISTOÉ, o conselheiro Citadini destacou que “um sem-número de vezes” o órgão
relatou ao governo estadual irregularidades em contratos envolvendo o Metrô
paulista e a CPTM. “Nossos auditores, que seguem normas reconhecidas por
autoridades internacionais, têm tido conflitos de todo tamanho e natureza para
que eles reconheçam os problemas”, disse Citadini.
O terceiro recado
ao governo paulista sobre irregularidades nas licitações do Metrô e do trem
paulista ocorreu em setembro de 2010. Ao analisar quatro contratos firmados
pelo Metrô, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo estranhou que os
certames envolviam uma enorme quantidade de serviços específicos. Dessa forma,
apenas um reduzido número de empresas tinha condições de atender aos editais de
licitação e se credenciar para disputar a concorrência. Os contratos em questão
se referiam ao fornecimento de trens, manutenção, além de elaboração de projeto
executivo e fornecimento de equipamentos para o Metrô paulista. O Tribunal
insistia que, quanto mais ampla fosse a concorrência, menor tenderia a ser o
preço. Em diversos trechos, o relatório aponta outras exigências que acabavam
estreitando ainda mais o número de participantes. Havia uma cláusula, por
exemplo, que proibia companhias estrangeiras que não tivessem realizado o mesmo
serviço em território brasileiro de participar da disputa. Na prática, foram
excluídas gigantes do setor do transporte sobre trilhos que não integravam o
cartel e poderiam oferecer um melhor preço aos cofres paulistas. “A análise das
presentes contratações revelou um contexto no qual houve apenas uma proposta do
licitante único de cada bloco. Em outras palavras, não houve propriamente uma
disputa licitatória, mas uma atividade de consorciamento”, analisou o TCE sobre
um dos acordos. A recomendação foi ignorada tanto por Serra como por Alckmin,
que assumiu o governo três meses depois.
Passo a passo da
denúncia sobre o escândalo do metrô
Um e-mail enviado
por um executivo da Siemens para os seus superiores em 2008, revelado na última
semana pelo jornal “Folha de S.Paulo”, reforça que os ex-governadores tucanos
José Serra, Geraldo Alckmin e Mário Covas não só sabiam como incentivaram essa
prática criminosa. O funcionário da empresa alemã revela que o então chefe do
executivo paulista, José Serra (PSDB), e seu secretário de Transportes
Metropolitanos, José Luiz Portella, sugeriram que a Siemens fizesse um acordo
com a espanhola CAF, sua concorrente, para vencer uma licitação de fornecimento
de 40 trens à CPTM. Serra teria ameaçado cancelar o certame se a Siemens
tentasse desclassificar a concorrente na justiça. Como saída, conforme relata o
jornal, sugeriu que as empresas dividissem parte do contrato por meio de
subcontratações. O executivo da Siemens não revela na mensagem, mas essa
solução heterodoxa de Serra já havia sido adotada numa ocasião anterior. No
final da década de 1990, o governo Mário Covas (PSDB) incentivara as companhias
da área de transporte sobre trilhos a formarem um consórcio único para vencer
licitação de compra da linha 5 do metrô. A prática, como se vê, recorrente
entre os tucanos paulistas, continuou a ser reproduzida nos anos subsequentes à
licitação. Reapareceu, sem reparos, com a chegada ao poder do governador
Geraldo Alckmin. Hoje, sabe-se que esse esquema gerou somente em seis projetos
da CPTM e do Metrô um prejuízo de pelo menos R$ 425,1 milhões aos cofres
paulistas. As somas foram obtidas, como ISTOÉ antecipou, com o superfaturamento
de 30% nesses contratos.
O que também torna
pouco crível que os governadores tucanos José Serra e Geraldo Alckmin, até o
mês passado, desconhecessem as denúncias é o fato de o Ministério Público ter
aberto 15 inquéritos para investigar a tramoia, após a repercussão do escândalo
envolvendo a Siemens e a Alstom na Europa em 2008. Atualmente, essas provas
colhidas no Exterior dão suporte para o indiciamento de 11 pessoas, entre elas
servidores públicos e políticos tucanos. O vereador Andrea Matarazzo, serrista
fiel, é um dos indiciados. Na lista da Polícia Federal, constam ainda nomes bem
próximos aos tucanos como o de Jorge Fagali Neto. Ele foi diretor dos Correios
e de projetos para o Ensino Superior do Ministério da Educação durante o
governo Fernando Henrique Cardoso. Ao reabrir, na semana passada, 15
investigações paradas por faltas de provas e montar uma força-tarefa para
trabalhar em 45 inquéritos, o Ministério Público colocou lupa sobre outras
autoridades ligadas ao PSDB. Trata-se de servidores que ascenderam na gestão
Serra, mas mantiveram força e poder durante o governo Alckmin. São eles: José
Luiz Lavorente, diretor de Operação e Manutenção da CPTM, Luiz Carlos David
Frayze, ex-secretário de transportes e ex-diretor do Metrô, Décio Tambelli,
coordenador de Concessões e Permissões do Metrô de São Paulo e Arthur Teixeira,
lobista do esquema Siemens, dono de uma das offshores uruguaias, utilizadas
pela multinacional para pagar propina a agentes públicos. Como revelado por
ISTOÉ na edição de 20 de julho, as evidências são tão fortes quanto à
proximidade destes personagens com a gestão tucana. Na última semana, o atual secretário
de Transportes, Jurandir Fernandes, reconheceu ter recebido Teixeira em
audiência “junto com outros empresários”. A foto da página 45 desta reportagem
mostra Arthur Teixeira visitando as instalações da MGE Transportes, uma das
empresas integrantes do cartel, em Hortolândia, interior de São Paulo, ao lado
de Jurandir e Lavorente. A visita ocorreu durante a execução da reforma dos
trens da CPTM.
Em meio à enxurrada
de evidências, na sexta-feira 9, o governador Alckmin anunciou a criação de uma
comissão para investigar as denúncias de formação de cartel e superfaturamento
em contratos firmados com o metrô paulista e a CPTM. Para fazer parte dela, ele
pretende indicar integrantes de entidades independentes, como a OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil). Segundo o governo, ela terá total independência e contará
com a ajuda dos órgãos de fiscalização do Estado. A medida foi anunciada após a
Justiça Federal negar, na segunda-feira 5, um pedido do governo de São Paulo
para ter acesso aos documentos da investigação do Cade. Tucanos paulistas
acusam o órgão, uma autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, de vazar
informação para a imprensa e agir sob os interesses do PT. Deputados estaduais,
porém, questionam a nova comissão. “Tudo que traga transparência é bem-vindo.
Mas há um local institucionalmente correto para se apurar estas
irregularidades. É uma CPI”, diz o líder do PT na Assembleia Legislativa, Luiz
Claudio Marcolino. “Se ele quer apurar os fatos, como diz, é só pedir para sua
base assinar o pedido de CPI e não obstruir como o PSDB faz por décadas quando
o assunto é metrô”, complementa.
Alckmin resolveu
agir porque vê o escândalo se aproximar cada vez mais do Palácio dos
Bandeirantes. As razões para este temor podem estar em cinqüenta caixas de
papelão guardadas nas dependências do CADE, na Asa Norte, em Brasília. O
material foi recolhido após uma operação de apreensão e busca realizada em 4 de
julho na sede de doze empresas associadas ao cartel em São Paulo, Brasília,
Campinas e São Bernardo do Campo. Só numa destas empresas, os investigadores
permaneceram por 18 horas. A Polícia Federal, batizou a operação de “Linha
Cruzada”. Não se sabe, até agora, o que há dentro das caixas de documentos
apreendidos. A informação é que elas permanecem fechadas e lacradas, aguardando
ainda a análise do CADE, que poderá transformar uma investigação de cartel, num
dos mais escandalosos casos de corrupção que o País já assistiu.
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