Após quatro meses de
espetáculo pela TV, a notícia é que alguns ministros do STF estão com medo de
rever seus votos no julgamento do mensalão
Às vésperas da
retomada do julgamento da Ação Penal 470, quando o STF irá examinar os recursos
dos 25 condenados, o ambiente no tribunal é descrito da seguinte forma por
Felipe Recondo e Debora Bergamasco, repórteres do Estado de S. Paulo, com
transito entre os ministros:
"(...) há
ministros que se mostram 'arrependidos de seus votos' por admitirem que algumas
falhas apontadas pelos advogados de defesa fazem sentido. O problema (...) é
que esses mesmos ministros não veem nenhuma brecha para um recuo neste momento.
O dilema entre os que acham que foram duros demais nas sentenças é encontrar um
meio termo entre rever parte do voto sem correr o risco de sofrer desgaste com
a opinião pública."
Pois é, meus amigos.
Após quatro meses de
espetáculo pela TV, a notícia é que alguns ministros do STF estão com medo. Não
sabem como "encontrar um meio termo entre rever parte de seu voto sem
correr o risco de sofrer desgaste com a opinião pública."
É preocupante e
escandaloso.
Não faltam motivos
muito razoáveis para um exame atento de recursos. Sabe-se hoje que provas que
poderiam ajudar os réus não foram exibidas ao plenário em tempo certo. Alguns
acusados foram condenados pela nova lei de combate à corrupção, que sequer
estava em vigor quando os fatos ocorreram – o que é um despropósito jurídico.
Em nome de uma jurisprudência lançada à última hora num tribunal brasileiro,
considerou-se que era razoável "flexibilizar as provas" para
confirmar condenações, atropelando o direito à ampla defesa, indispensável em
Direito. Centenas de supressões realizadas pelos ministros no momento em que
colocavam seus votos no papel, longe das câmaras de TV, mostram que há diferença
entre o que se disse e o que se escreveu.
O próprio Joaquim
Barbosa suprimiu silenciosamente uma denúncia de propina que formulou de viva
voz, informação errada que ajudou a reforçar a condenação de um dos réus, sendo
acolhida e reapresentada por outros ministros.
Eu pergunto se é
justo, razoável – e mesmo decente – sufocar esse debate. Claro que não é.
É perigoso e
antidemocrático, embora seja possível encher a boca e dizer que tudo o que os
réus pretendem é ganhar tempo, fazer chicana. Numa palavra, garantir a própria
impunidade.
Na verdade estamos
assistindo ao processo em que o feitiço se volta contra o feiticeiro. E aí é
preciso perguntar pelo papel daquelas instituições responsáveis pela
comunicação entre os poderes públicos e a sociedade – os jornais, revistas, a
TV.
O tratamento parcial
dos meios de comunicação, que jamais se deram ao trabalho de fazer um exame
isento de provas e argumentos da acusação e da defesa, ajudou a criar um clima
de agressividade e intolerância contra toda dissidência e toda pergunta
inconveniente.
Os réus foram
criminalizados previamente, como parte de uma campanha geral para criminalizar
o regime democrático depois que nos últimos anos ele passou a ser utilizado
pelos mais pobres, pelos eternamente excluídos, pelos que pareciam danados pela
Terra, para conseguir alguns benefícios – modestos, mas reais -- que sempre foram
negados e eram vistos como utopia e sonho infantil.
(A prova de que se
queria criminalizar o sistema, e não corrigir seus defeitos, foi confirmada
pelo esforço recente para sufocar toda iniciativa de reforma política, vamos
combinar.)
No mundo inteiro, os
tribunais de exceção consistem, justamente, num espetáculo onde a mobilização é
usada para condicionar a decisão dos ministros.
"Morte aos
cães!", berravam os promotores dos processos de Moscou, empregados por
Stalin para eliminar adversários e dissidentes.
Em 1792, no Terror da
Revolução Francesa, os acusados eram condenados sumariamente e guilhotinados em
seguida, abrindo uma etapa histórica conhecida como Termidor, que levou à
redução de direitos democráticos e restauração da monarquia.
No Brasil de 2013, a
pergunta é se os ministros vão se render ao medo.
Paulo Moreira Leite
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